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segunda-feira, novembro 01, 2021

MANDANDO A REAL SOBRE PORNOGRAFIA (SEM FALSOS MORALISMOS)

Por Hermes C. Fernandes 

Nada mais ambíguo do que o sexo. Talvez por isso, Rita Lee tenha cantado que o amor é cristão, mas o sexo é pagão. Apesar de admirá-la como uma das mais completas artistas do rock nacional, devo discordar, mesmo lhe dando licença poética. Nem o amor, nem o sexo envolvem necessariamente religião. Mas entendo perfeitamente o que ela quis dizer. De fato, o cristianismo valoriza o sentimento em detrimento do prazer, como se fossem mutuamente excludentes. O amor também pode ser pagão. “Quem ama, conhece a Deus”, afirma o apóstolo João. Portanto, nem mesmo amantes ateus ficam de fora. Se há amor, ali Deus está, independentemente da crença ou da não crença. O mesmo se dá com relação ao sexo. Sim, o sexo pode ser cristão. O que não significa que tenha que ser pudico, sem graça, sem sal, cheio de escrúpulos e tabus. 

Se por um lado o sexo pode ser um instrumento de comunhão, de afeto, de expressão do amor, por outro, pode se tornar num aguilhão, capaz de nos transformar em escravos de nossos mais primitivos impulsos, despersonificando-nos, coisificando-nos. E assim, em vez de nos sentir ALGUÉM, passamos a nos sentir como um mero ALGO, abdicando-nos do propósito de amar e ser amados, por nos satisfazer com tão pouco que é usar e sermos usados. 

Tudo o que extrapola os limites do bom senso deixa de ser saudável para ser nocivo ao ser. O bom apetite se torna em gula. O sono reparador em preguiça. O bem disposto trabalhador se torna num workaholic. O beber socialmente cede ao alcoolismo. O mesmo se dá com o sexo. Num movimento pendular, saímos de um extremo ao outro. 

Quase que repentinamente, o sexo deixou de ser visto apenas como um meio de procriação para se tornar na mola que move o mundo. Não é exagero afirmar que há sexo para todo lado! Nas propagandas, na música, nas artes plásticas, nos filmes, novelas e séries de TV. Às vezes, de maneira sutil e sugestiva, doutras vezes, de maneira explícita. O mundo parece respirar sexo. E assim, o que era saudável alcança as raias da insalubridade. O bom e velho sexo cede à promiscuidade.  Conquanto o sexo seja bom e aprazível, a promiscuidade o torna sujo e repugnante, pois em vez de nos dar a sensação de plenitude tão esperada, produz uma profunda sensação de vazio existencial.

Deus não inventou o sexo apenas para a perpetuação da raça, como advogam alguns, e, sim, para ser uma expressão de amor, carinho e cumplicidade entre dois seres que se amam.

A pornografia é a principal aliada e maior incentivadora da promiscuidade em nossos dias, sendo capaz de transformar a imagem e semelhança de Deus em uma “coisa”. O sexo perde sua sacralidade original e passa a ser visto como uma coisa suja, pecaminosa, feia e reprovável. Isso se dá devido à associação óbvia entre sexo e pornografia. Entretanto, os seguidores de Cristo deveriam se esforçar para desfazer tal associação enganosa.

A pornografia não é algo novo. Há desenhos alusivos ao coito em muitas cavernas, que remontam milhares de anos. Ainda na pré-história, os homens faziam estátuas eróticas que podem ser consideradas ancestrais da pornografia. A mais famosa delas é conhecida como Vênus de Willendorf: uma mulher de nádegas e peitos grandes com traços de corante vermelho, encontrada em uma região com traços de ocupação de até 40 mil anos atrás, quando a Europa vivia a Era Glacial. Uma imagem encontrada em Ur, na Mesopotâmia, datada de 3200 a.C., mostra a mulher em posição sexual por cima do homem, posição também encontrada em obras de arte da Grécia, do Peru, da China, da Índia e do Japão. Outra imagem pré-histórica mostra a mulher sentada com as pernas levantadas para facilitar a penetração do homem. A relação com penetração por trás também aparece com frequência, assim como imagens de sexo oral. Há, inclusive, imagens que retratam a prática da zoofilia. Uma pintura rupestre de cerca de 3000 a.C., em Val Camonica, na Itália, mostra um homem copulando com um asno. Já na Sibéria aparecem imagens de homens copulando com alces. Em uma das pinturas, o homem está usando uma espécie de esquis nos pés enquanto tem relações com o animal.

A própria Bíblia revela o hábito cultivado pelos caldeus de pintar homens nus nas paredes para despertar a libido das mulheres: “Aumentou as suas impudicícias, pois viu homens pintados na parede, imagens dos caldeus, pintadas de vermelho [...] Apaixonou-se dos seus amantes, cujos membros são como os de jumentos, e cujo fluxo é como o de cavalos” (Ezequiel 23.14,20). Sabemos pela arqueologia da existência de desenhos de órgãos sexuais masculinos e femininos em muitas das paredes dos templos pagãos cananitas, que foram destruídos pelos israelitas quando conquistaram a terra (Levítico 26.1; Números 33.52). Tais gravuras tinham o objetivo de excitar os adoradores, estimulando-os à prática da prostituição cúltica.

Em Roma, as posições sexuais apareciam em pinturas, mosaicos e objetos de uso cotidiano, como lamparinas, taças e até moedas. Em uma face, via-se a posição sexual, e, na outra, um número. Alguns historiadores acreditam que as moedas eram fichas de bordel, e as posições com penetração tinham números maiores que indicavam que eram mais valorizadas.

No século 16, o pintor italiano Giulio Romano pintou uma série de 16 desenhos para um livro de sonetos obscenos de Pietro Arentino, retratando várias posições sexuais. Em um dos quadros, um homem de joelhos segura uma mulher, que está na diagonal e com uma das pernas sobre seu pescoço. A série acabou censurada e confiscada pela igreja católica em 1524. Intelectuais de vulto como Voltaire e Montesquieu também escreviam pornografia. Na era moderna, tornaram-se comuns livros de contos eróticos como “50 tons de cinza” da autora inglesa Erika Leonard James.

Porquanto a pornografia estivesse presente em quase todas as culturas antigas, ela tem tomado proporções inimagináveis em nossos dias. O que antes era limitado à publicação de revistas masculinas, hoje se apresenta em um leque de produtos, que pode ser facilmente consumido pelos nossos adolescentes: cinema, TV a cabo, internet, e até videogames. O crescimento vertiginoso da pornografia acompanha de perto o desenvolvimento tecnológico de nossa era. 

Por causa da proliferação da pornografia e de programas televisivos que estimulam a sensualidade, estamos assistindo impotentes ao despertar da sexualidade precoce em nossas crianças. Basta verificar que há apenas 200 anos a puberdade ocorria somente por volta dos 17 ou 18 anos, quando o jovem já estava perto de se casar. Por isso, o tempo de espera era relativamente pequeno. Já em meados do século XX, a idade média para a puberdade era 13 anos. Hoje em dia, as crianças estão atingindo a puberdade por volta dos 11 anos. Tal fenômeno está estritamente ligado à banalização do sexo e aos constantes estímulos a que somos submetidos pela mídia. 

De todos os segmentos do mercado pornográfico, a pornografia infantil é a que mais cresce, com 60% dos domínios hospedados somente nos EUA. A pornografia infantil teve um aumento de 82% na indústria de 1994 a 2006. 

Para quem ainda tem coragem de insistir que a pornografia é um pecado “sem vítimas”, sugiro que repense sua posição enquanto lê as estatísticas abaixo:

• As crianças, em média, são expostas à pornografia com a idade 

de 8 anos;

• 82% dos estupradores de crianças confessam que seu problema começou pela pornografia;

• 86% dos condenados por estupro admitiram imitação direta das cenas pornográficas que assistiam regularmente.

Alguém ainda ousaria afirmar que a pornografia não prejudica ninguém? 

Os efeitos da pornografia abrangem tanto a esfera individual com mudanças no funcionamento cerebral, nos estímulos sexuais e no comportamento, quanto na esfera social através da exploração, tráfico humano, trabalho escravo, abuso, estupro, violência, pedofilia, zoofilia e outras perversões. 

A mente de um usuário de pornografia funciona de modo idêntico à de um usuário de drogas. Como qualquer substância viciante, a pornografia inunda o cérebro com dopamina.  E, como qualquer droga, o cérebro exige doses cada vez maiores para atingir os mesmos efeitos. Na medida em que o consumo vai aumentando, as sensações de prazer vão sendo reduzidas, exigindo cada vez mais tempo e dedicação. O que começa com pornografia light, geralmente termina com pornografia hardcore. Assim como um usuário de drogas que começa com entorpecentes leves como a maconha ou o álcool, e aos poucos, vai substituindo-a por drogas mais pesadas como a cocaína e o crack. Com uma diferença: diferentemente das outras drogas que precisam ser compradas, a pornografia pode ser conseguida gratuitamente através da internet, o que gera a ilusão de saciedade imediata. Como geralmente não dói no bolso, o viciado em pornografia não se percebe como um dependente químico. 

Tanto a capacidade, quanto a quantidade dos neurotransmissores são reduzidas continuamente. O que antes seria suficiente para satisfazer a necessidade de dopamina no cérebro, já não é mais; daí a necessidade de se buscar pornografia cada vez mais pesada. O que, de primeira mão, pode parecer apenas uma curiosidade, na verdade é uma necessidade do cérebro por mais dopamina. O vício também danifica áreas cerebrais como o lóbulo frontal, responsável pela análise e tomada de decisões, visto que reprograma o cérebro para procurar soluções de curto prazo como a masturbação, provocando, assim, ejaculações e orgasmos cada vez mais fracos e insatisfatórios. O que faz com que busque estímulos cada vez mais fortes, retroalimentando o ciclo vicioso. Felizmente, como em qualquer outro vício, é possível que os danos sejam revertidos, ou, pelo menos, reduzidos, na medida em que o viciado abandona o uso da pornografia. As áreas danificadas se regeneram, e toda a sensação de busca e recompensa é restaurada.

Ademais, o vício em pornografia pode piorar significativamente o desempenho sexual. Três décadas atrás, a disfunção erétil ocorria geralmente na velhice, após os quarenta anos. Hoje em dia, com a popularização da pornografia, a disfunção erétil atinge cada vez mais homens aos vinte anos, praticamente na flor da idade. Lembrando que o problema não está na genitália, mas no cérebro que, acostumado e condicionado à pornografia como forma de obtenção de prazer e liberação de ocitocina, acaba perdendo a capacidade de se estimular através de reações químicas comuns desencadeadas pelos cinco sentidos em contato com o corpo feminino. O viciado em pornografia é condicionado a buscar satisfação solitária ante a tela de um computador ou desfolhando uma revista em vez de na companhia de alguém. 

Muitos homens casados preferem masturbar-se ao assistir a um vídeo pornográfico a ter uma relação sexual com a esposa. Alguns, por acharem que a esposa não corresponderia às expectativas mirabolantes criadas pela performance das atrizes pornôs. Outros, simplesmente por preferirem algo rápido, fácil e impessoal, sem a intimidade, o embaraço e o trabalho árduo que requer uma relação a dois.

A palavra “pornografia” é oriunda do vocábulo grego pornéia, que, com suas variantes pornos, pornê e pornéuo, aparece nos textos do Novo Testamento para designar práticas sexuais consideradas ilícitas ou fora dos padrões da moralidade. Hoje, temos em nosso vocabulário muitas outras palavras que eram desconhecidas nos tempos bíblicos, tais como sadomasoquismo, voyeurismo, zoofilismo, etc.

Paulo foi incisivo quanto a esta matéria: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição”( 1 Tessalonicenses 4.3). Paulo não está falando apenas da prostituição como entendemos hoje. O vocábulo pornéia traduzido aqui por prostituição é abrangente e envolve toda e qualquer perversão sexual. Etimologicamente, a palavra “perversão” vem do latim per vertio e significa “outro jeito”, “caminho alternativo”, ou ainda “versão contrária à convencional”. Corresponde ao ato ou efeito de perverter, tornar-se perverso, corromper, desmoralizar, depravar, alterar. É usado para designar o desvio, por parte de um indivíduo ou grupo, de qualquer dos comportamentos humanos considerados normais ou ortodoxos para um determinado grupo social. Lembrando que os conceitos de normalidade e anormalidade variam de acordo com o tempo e o espaço, em função da várias circunstâncias. 

Segundo a psicologia, a perversão sexual é uma estrutura psicopatológica caracterizada pelos desvios de objeto e finalidade sexuais. A pessoa portadora de perversão sente-se atraída por aquilo que é, em geral, socialmente proibido ou inaceitável. Deve-se salientar, entretanto, que a psicologia só considera perversão quando o comportamento individual de excitação sexual somente se dá em resposta a objetos ou situações diferentes das consideradas normais, e quando esse comportamento interfere na capacidade do indivíduo de ter relações sexuais ou afetivas consideradas normais.  Atualmente, a Psicologia substituiu o termo “perversão”, que já tem um peso pejorativo no senso comum, e colocou em seu lugar o termo “parafilia” (do grego παρά, para, "fora de",e φιλία, philia, "amor") para caracterizar a patologia, numa tentativa de amenizar o estigma que a palavra perversão coloca sobre a sexualidade humana. O que caracteriza a patologia é a fixação nas escolhas distorcidas de objeto e finalidade sexual. As fantasias são especializadas, de natureza repetitiva e que angustiam a pessoa de modo que ela fica compelida ao ato parafílico. É justamente seu caráter compulsivo que torna a parafilia na causa de um sofrimento significativo ou prejuízo na vida familiar, ocupacional e social da pessoa. Na parafilia, os meios se transformam em fins e de maneira repetitiva, configurando um padrão de conduta rígido que, na maioria das vezes, acaba por se transformar numa compulsão opressiva que impede alternativas sexuais.

De acordo com algumas teorias psicológicas, algumas parafilias podem ser consideradas inofensivas, constituindo-se parte integral da psique humana normal, a menos que sejam dirigidas a um objeto potencialmente perigoso, nocivo ao sujeito ou a outros, representando prejuízo para saúde ou segurança dos mesmos, ou ainda, quando impedem o funcionamento sexual normal.

Considerar um comportamento como parafílico depende muito das convenções sociais estabelecidas num determinado momento e lugar. A homossexualidade e algumas práticas tais como o sexo oral ou anal e até a masturbação já foram considerados parafílicas, apesar de hoje em dia serem consideradas variações normais e aceitáveis do comportamento sexual. Por isso, é praticamente impossível elaborar uma lista definitiva de parafilias. 

Dentre as mais conhecidas parafilias estão: a pedofilia (atração por crianças); a bestialidade ou zoofilia (atração por animais) e o voyeurismo (prazer em observar ou espiar a intimidade do outro). 

Sem dúvida, nada estimula mais tais perversões do que a pornografia, razão pela qual, em nome de uma vida emocional e relacional saudável, sem juízos moralistas hipócritas, o uso de material pornográfico deve ser evitado a qualquer custo, ainda que para isso, tenha que se buscar ajuda profissional de um terapeuta e/ou apoio espiritual de alguém que saiba ouvir sem julgar.

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