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segunda-feira, novembro 26, 2018

ALIENAÇÃO PARENTAL, DEUS E A IGREJA



Por Hermes C. Fernandes 

Seja com a intenção de criar intriga ou apenas de desabafar, falar mal do outro genitor para os filhos ou perto deles constitui-se em um grave erro que pode trazer consequências nefastas para o equilíbrio emocional dos filhos, prejudicando seu desenvolvimento, sobretudo, no que tange à formação de sua índole e caráter.

De acordo com a Lei n.º 12.318/2010, em seu art. 2º, “considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.” O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em sua recomendação Nº 32, de 5 de abril de 2016 prevê “a atuação do Ministério Público Brasileiro, através de políticas e diretrizes administrativas que fomentem o combate à síndrome de Alienação Parental que compromete o direito à convivência familiar da criança, adolescente, pessoas com deficiência e incapazes de exprimir a sua vontade”.

Além do mais, configura-se crime falar mal dos pais para os filhos na tentativa de levá-los a criar uma imagem negativa deles. O detrator pode até achar que está obtendo alguma vantagem momentânea com isso, mas o tiro poderá sair pela culatra, de modo que, ao chegar à maturidade, o filho perceba que foi manipulado e prejudicado, ocasionando em seu afastamento voluntário do alienador. Sem contar a bagunça que se fará na cabecinha dele, ao sentir-se dividido, ou, até mesmo, se achar culpado pela separação dos pais. Isso poderá trazer um enorme prejuízo nos estudos, além de torná-lo pouco sociável, agressivo, depressivo ou ansioso. A criança também poderá demonstrar sérias dificuldades em estabelecer vínculos de afeto na idade adulta, sempre desconfiando de qualquer aproximação.

Um dos argumentos mais comuns usados pelo alienador parental é de que o genitor se separou da família, incluindo dos filhos, e não apenas do cônjuge. Às vezes chega a afirmar que o genitor não os ama mais, transferindo assim a sua dor para os próprios filhos, sem considerar o sofrimento que causará ou intensificará. A situação mais comum é a que a vítima da alienação parental seja o pai biológico da criança, adolescente ou portador de deficiência cognitiva. Justamente por isso, a lei utiliza a expressão “genitor”. Mesmo assim, nada impede que a mãe (genitora) seja alvo da alienação parental. A vítima também pode ser outras pessoas ligadas ao menor, como os avós, os tios, os primos, os irmãos, etc.

A lei chama de alienador a pessoa que promove ou induz a alienação parental, e de alienado o indivíduo que é vítima da alienação. Usar filhos como instrumento de vingança pelo fim do casamento não é uma fenômeno raro. Quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, o sentimento de rejeição, surge um enorme desejo de vingança, que pode deflagrar um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro perante os filhos e amigos. E assim, o alienador promove uma verdadeira “lavagem cerebral” para comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram ou não aconteceram da forma como descreve. Carrega-se na tinta quando se fala de seus defeitos, ao mesmo tempo em que se procura varrer para debaixo do tapete suas qualidades. O filho, então, é programado para odiar o genitor e acaba aceitando como verdadeiras as falsas memórias que lhe são implantadas. Assim, afasta-o de quem ama e de quem igualmente o ama. Esta é uma prática que pode ocorrer ainda quando o casal vive sob o mesmo teto, mas que é realçada quando um deles deixa o lar.

Nesse jogo de manipulações, lança-se mão de todas as armas, inclusive – com grande frequência – a alegação da prática de abuso sexual, ou de práticas sexuais incomuns impostas ou propostas pelo genitor, o que, supostamente, ocorria entre quatro paredes, justificando assim o fato de o filho jamais ter tomado conhecimento antes. Geralmente, recorre-se a este expediente quando não se encontra nada que desabone a conduta do genitor na presença do filho (ex.: quando o genitor costumava ser atencioso e carinho com os filhos e cumpria seu papel de educador exemplar, etc.). Tudo para que o filho enxergue no genitor um monstro de quem deve se manter afastado.

Outra maneira de promover a alienação parental é através de comentários do tipo “Você é igual ao seu pai (ou à sua mãe)! O fruto não cai mesmo longe da árvore!” O que antes seria motivo de orgulho, passa a soar como uma severa crítica aos defeitos do ex, e que agora se revelam na conduta do filho. Envergonhado, o filho passa a se esforçar para anular qualquer traço comportamental que o remeta ao seu genitor. Um exemplo disso se deu com o astro pop Michael Jackson, que, segundo alguns biógrafos, submeteu-se a diversas cirurgias plásticas para eliminar qualquer traço fisionômico que o fizesse lembrar de seu pai, com quem tinha uma turbulenta relação.

A prática de alienação parental é crime e quem o comete está sujeito a perder a guarda do filho. O Estatuto da Criança e do Adolescente contempla mecanismos de punição suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, dentre os quais, a inversão da guarda, multa e até mesmo a suspensão da autoridade parental.

De maneira análoga, considerando que a igreja ou a religião desenvolvam uma espécie de papel materno, e que a figura de Deus nos remeta à de um pai, pode-se dizer que o afastamento de muitos de qualquer proposta de espiritualidade cristã seja fruto de uma espécie de alienação parental. A igreja e a religião cristã têm falhado ao pintar aos olhos do mundo uma figura distorcida de nosso Genitor Celestial. Um Deus iracundo, genioso, cruel, que trai nossos anseios, enquanto nos exige fidelidade absoluta, não parece em nada com o Deus revelado por Jesus.

“Se eu sou Pai, onde está a minha honra?”, é a questão levantada por Deus pelos lábios de Malaquias. E mais: "Vocês têm dito palavras duras contra mim", diz o Senhor. "Ainda assim perguntam: ‘O que temos falado contra ti?’ “Vocês dizem: ‘É inútil servir a Deus. O que ganhamos quando obedecemos aos seus mandamentos?’...” (Malaquias 3:13,14).

Sem perceber, os sacerdotes que deveriam zelar pela manutenção da comunhão entre os fiéis e seu Deus, estavam vacinando-os contra seu Pai Celestial. Como não acreditar no que diz um ex-cônjuge que viveu ao lado da pessoa por tantos anos? Como não acreditar nas palavras de sacerdotes que, em tese, viviam exclusivamente em função do serviço prestado a Deus?

Não fale mal da igreja diante daqueles que não têm a menor ideia do que seja viver em comunhão com Deus no ambiente congregacional. Não os vacine contra Deus. Infelizmente, muitos não sabem a diferença entre o evangelho de Cristo e o cristianismo dos cristãos. Não permita que o mundo pense ser inútil servir a Deus por causa de uma meia dúzia de gente descomprometida com a agenda do reino de Deus.

Jesus veio com a sublime missão de reatar nossa relação com Deus, restaurando-nos a imagem deturpada e caricata que os religiosos criaram e disseminaram. Se enxergarmos a Deus apenas como o provedor, no momento em que não tivermos um pedido atendido, seremos levados a duvidar de Seu amor. Se nos deixarmos levar pelo discurso religioso, acreditaremos que o amor de Deus por nós está condicionado ao nosso comportamento, e que, se quisermos receber dele alguma coisa, teremos que aceitar Suas condições, acreditando ser Ele susceptível às nossas barganhas e chantagens.

Se quisermos saber como Deus é, de fato, olhemos para o Filho. Ele é a expressão exata do Seu ser. E se os filhos quiserem saber quem, de fato, é o seu pai (ou sua mãe), que olhem para aquilo que dele (ou dela) herdaram, tanto suas qualidades, quanto suas fraquezas. Que ao serem comparados a seu pai, voltem a se sentirem orgulhosos, e digam como disse Jesus a Seus discípulos: “Quem vê a mim, vê o Pai.”

Que os filhos aprendam a distinguir e relevar o que é dito na hora da raiva, e que jamais se esqueçam dos bons momentos vividos juntos. No finalzinho do livro de Malaquias nos deparamos com a promessa divina de que Deus converteria o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos aos pais. O texto parece sugerir uma conexão entre a conversão entre pais e filhos e a conversão do ser humano ao seu Criador. Fato é que uma imagem distorcida da figura paterna pode influenciar negativamente na imagem que temos de Deus, afastando-nos de Seus caminhos. Todo estrago provocado pela alienação parental pode ser corrigido, desde que haja a disposição de se dar um passo na direção do outro, desfazendo todo e qualquer mal entendido.

“Converter-se” é dar uma guinada na direção daquele de quem antes se pretendia afastar. Só o amor pode promover tal encontro onde uma ferida foi deixada exposta. Infelizmente, o que não falta é quem se disponha a cutuca-la para que jamais se cicatrize.

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