Por Hermes C. Fernandes
Jesus havia sido convidado
para visitar a casa de um dos principais dos fariseus e percebeu entre os
demais convidados uma disputa pelos primeiros lugares. Não querendo desperdiçar
a oportunidade de dar-lhes uma lição, contou-lhes duas parábolas. Na primeira
parábola, Jesus se dirige aos que são convidados, na segunda, Ele adverte aos
que convidam. Sobra para todo mundo.
Observe a advertência
feita aos que são convidados:
“Quando
alguém o convidar para um banquete de casamento, não ocupe o lugar de honra,
pois pode ser que tenha sido convidado alguém de maior honra do que você.
Se for assim, aquele que convidou os dois virá e
lhe dirá: ‘Dê o lugar a este’. Então, humilhado, você precisará ocupar o lugar
menos importante. Mas quando você
for convidado, ocupe o lugar menos importante, de forma que, quando vier aquele
que o convidou, diga-lhe: ‘Amigo, passe para um lugar mais importante’. Então
você será honrado na presença de todos os convidados. Pois todo o que se exalta será humilhado, e o que se
humilha será exaltado.”[1]
O que está em foco aqui não é propriamente o tal “lugar
de honra”, mas o fato de nos darmos tanta importância. Sempre haverá alguém
mais importante do que nós, e quem estabelece isso é quem nos inclui em sua
lista de convidados. Não há como exigir que tenhamos a importância almejada na
vida de ninguém. Cada um tem seus critérios na hora de averiguar a importância
de alguém. Todavia, no que depender de nós, seremos sempre os mais importantes,
os que merecem tratamento VIP.
Que importância temos na vida de alguém? Que lugar nos
está reservado? Ainda que tenhamos alguma importância, certamente haverá quem
tenha importância maior. Por isso, Jesus nos adverte a sermos menos
presunçosos, ocupando lugares de menos prestígio na festa para a qual houvermos
sido convidados. É melhor que sejamos chamados a darmos um UPGRADE, ocupando um
lugar de honra que tenhamos ousado ocupar, do que sermos convidados a ceder o
lugar a alguém considerado mais importante.
A tão cobiçada honra não deveria ser atribuída a quem
dela faz questão, mas a quem jamais a pretendeu. Que ela seja tão somente o
resultado da importância que alcançamos na vida de alguém por aquilo que
representamos e não uma exigência. Quer ser importante na vida de alguém? Ocupe
um lugar de serviço sem pretender ser honrado. Não busque reconhecimento.
Apenas, ame.
Agora observe atentamente a advertência que Jesus dirige
ao dono da festa:
“Então Jesus disse ao que o tinha convidado: "Quando você der um banquete ou jantar, não convide seus amigos, irmãos ou parentes, nem seus vizinhos ricos; se o fizer, eles poderão também, por sua vez, convidá-lo, e assim você será recompensado. Mas, quando der um banquete, convide os pobres, os aleijados, os mancos, e os cegos. Feliz será você, porque estes não têm como retribuir. A sua recompensa virá na ressurreição dos justos.”[2]
Jesus não está proibindo que se convide quem quer que
seja. A lógica subjacente à orientação de Jesus diz respeito à motivação por
trás do convite.
Qual a diferença entre convidar vizinhos ricos e convidar
os pobres para a sua festa? Ambos não vão consumir da mesma maneira? Talvez o
rico pareça ter bons modos, respeitando todas as regras de etiqueta. O pobre,
por sua vez, não conhece tais normas. Talvez nem saiba vestir-se adequadamente
para a ocasião. Mas o que Jesus pretendia não era nos impedir de convidar a
quem quer que fosse, mas expor as motivações com que estabelecemos quem deve ou
não ser convidado. Quais, afinal, os critérios que usamos para estabelecer o
grau de importância de alguém em nossa vida? Por que alguns são incluídos,
enquanto outros, excluídos de nossa lista?
Quando convidamos um rico, sabemos que eventualmente
seremos convidados de volta, e assim, a importância que atribuímos a ele,
ser-nos-á atribuída depois. Convidá-lo, coloca-nos na posição de credores, de
benfeitores, ao passo que o coloca numa posição de devedor e beneficiário. Já o
pobre, não terá como nos retribuir. Sua dívida de gratidão jamais poderá ser
paga. Aqui subjaz a questão ressaltada por Jesus.
Nossa natureza está tão comprometida pelo pecado que até
algo lindo como a gratidão torna-se num mecanismo de controle. Não há sensação
que nos seja mais prazerosa do que a de que alguém nos deva um favor. E assim,
ocupamos, na marra, um lugar de prestígio na vida do outro.
Por isso, adotamos o costume de agradecer o favor com a
expressão “obrigado”.
Já parou para pensar no significado desta expressão? Ao
dizer “obrigado” você está admitindo ter contraído uma dívida com quem lhe
favoreceu. A expressão completa seria “Estou obrigado a retribuir-lhe o favor.”
Em vez disso, o que o evangelho nos propõe é uma relação
onde não se busque qualquer vantagem. Não há lugar para contabilidade. Ninguém
deve nada a quem quer que seja. Tudo deve ser feito graciosamente. Por isso, em
vez de “obrigado”, deveríamos dizer “agradecido”. Só é agradecido quem admite
ter sido agraciado. O que está em foco é a graça, isto é, uma favor imerecido, em
que não se tenha a pretensão de cobrar.
Quem vive sob a égide da graça é capaz de desobrigar a
todos quantos tenham sido agraciados por sua vida. Ninguém nos deve coisa
algum. A lógica do "uma mão lava a outra" é substituída pela lógica do "não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita."
E um ótimo exercício para isso é fazer o que Jesus nos
propõe nessa parábola. Convidemos justamente quem não nos possa retribuir o
convite. Façamos o bem a quem não possa nos recompensar mais tarde. Sejamos
despretensiosos. Que nossa recompensa seja tão-somente o bem daquele a quem
amamos.
Isso é libertador! Nossa gratidão passa a ser legítima,
posto que é espontânea, não cobrada. Nossos gestos de amor passam a ser
gratuitos como deveriam ser e não uma maneira de nos locupletar, dando-nos o
direito de exigir retribuição. Passamos a amar por amar. Desistimos de impor compensação.
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