Ele deveria estar no front de
batalha, como costumeiramente fazia. Mas desta feita, Davi preferiu tirar uns
dias de folga. Nada mais justo para quem levava uma vida tão agitada desde o
fatídico dia em que derrotou o gigante filisteu. Enquanto seus homens lutavam
pela expansão e manutenção de seu reino, Davi curtia um final de tarde no
terraço de seu palácio. Com a cabeça arejada, algo fisgou sua atenção. Há
poucos metros dali, uma mulher de corpo escultural banhava-se alheia ao fato de
estar sendo observada. O rei voyeur chama um de seus serviçais e pergunta-lhe
quem era a bela mulher. Mesmo sendo informado tratar-se de esposa de Urias, um
de seus mais leais soldados, Davi não hesita mandar trazê-la às pressas para o
seu deleite.
A julgar pelo texto bíblico, não
houve qualquer resistência por parte de Bate-Seba em atender ao chamado do rei.
Talvez imaginasse que o rei lhe daria notícias do front. Quiçá algo houvesse ocorrido
ao seu marido e o rei preferiu contar pessoalmente. Sou capaz de apostar que
seu coração estava a mil. Não era normal que o rei mandasse chamar alguém
assim, sem mais, nem menos.
Jamais saberemos quais armas ele
usou para seduzi-la: se usou de sua autoridade ou apelou para expedientes mais
sutis. O fato é que ela acabou cedendo. Possivelmente, devido à ausência do
marido por tempo prolongado, ela estivesse carente. Davi, por sua vez,
desprovera-se de qualquer escrúpulo para conseguir o que queria: uma noite de
luxúria com aquela linda mulher. O que ele jamais poderia supor era o quanto
aquilo lhe custaria.
Não muito tempo depois,
chegava-lhe a notícia: Bate-Seba estava grávida.
Seu mundo virou de ponta-cabeça.
Seu pecado seria exposto. Sua credibilidade ruiria. Tudo pelo qual havia lutado
até ali corria o risco de desabar. Nos dias atuais, a primeira ideia que lhe
ocorreria talvez fosse um aborto. Em vez disso, Davi mandou buscar Urias e
insistiu com ele para que desfrutasse de uma merecida noite de amor com sua
esposa. Surpreendentemente, Urias recusa a oferta, alegando não ser justo que
assim fizesse, enquanto seus companheiros arriscavam a vida no front. Pela
primeira vez, Davi se deparava com alguém com envergadura moral superior a dele.
Como alguém poderia recusar tal oferta? Como alguém poderia manter-se leal aos
seus amigos a ponto de recusar uma noite de amor com a própria esposa? Se
houvesse aceitado, o problema estaria resolvido. Para todos os efeitos, aquela
indesejável gravidez teria sido fruto do reencontro entre Urias e Bate-Seba.
Porém, o plano deu errado. Mas Davi não se dispunha a desistir. No dia
seguinte, tratou de embebedar a Urias no afã de persuadi-lo a deitar-se com sua
esposa. Nem assim, ele cedeu. Seu caráter era mais forte que o efeito do
álcool. Não restou alternativa a Davi, senão apelar ao que havia de pior em sua
natureza ambígua.
Munido de uma mensagem lacrada
endereçada a Joabe, o general de confiança de Davi, Urias retornou ao front.
Fiado em seu caráter irredutível, Davia sabia que Urias jamais ousaria romper
os lacres daquele pergaminho e acessar sua mensagem. Urias nem sequer desconfiava
que nele constava sua própria sentença de morte. A ordem do rei era clara.
Joabe deveria escalar a Urias para posicionar-se na frente da batalha, e quando
os inimigos avançassem, todos os homens deveriam retroceder e deixa-lo sozinho,
vulnerável ao ataque. Como o “homem segundo o coração de Deus” poderia
revelar-se tão covarde? Desconfio que a razão não era apenas a gravidez de
Bate-Seba, mas o fato de ele ter se deparado com alguém mais honrado do que
ele. Definitivamente, não havia lugar para Davi e Urias no mesmo reino. Sua
existência por si só desafiava seus mais profundos escrúpulos. Portanto, numa
única tacada, Davi se livrava de dois problemas.
Desta vez, o pleno funcionou.
Urias foi morto pelas mãos dos amonitas. Agora, Bate-Seba era uma mulher viúva,
portanto, desimpedida. Passado o tempo de luto, Davi
mandou busca-la e a tomou como esposa.
Tudo voltara a ser como antes. Ou
melhor, tudo ficara ainda melhor para Davi. Afinal, aquela linda mulher
tornara-se sua esposa. Até que... Num
belo dia, o rei recebe a inusitada visita de um profeta.
Natã era daqueles que não tinham
papas na língua, mas sabia usar bem as palavras. Sua missão era confrontar o
rei e expor, não apenas o seu pecado, mas também sua natureza contraditória.
Para tal, o profeta recorre a uma parábola na qual um homem muito rico, dono de
vastos rebanhos, recebe em sua casa um viajante. Em vez de mandar matar um de
seus bois para alimentar o viajante, manda matar a única cordeira de um vizinho
muito pobre. Ao ouvir o relato, tomado de ira, Davi se levanta do trono e
vocifera: Este homem merece a morte! Como alguém tendo tanto pode fazer tal
coisa a alguém que nada tinha senão uma mísera cordeira?
Fitando-lhe os olhos, Natã diz: Este
homem é você! Deus lhe deu tantas coisas, e se não estivesse satisfeito, Ele lhe
daria muito mais. Mas em vez de contentar-se, você preferiu tomar a única
mulher de um homem que lhe era leal. Não pense que Ele fará vista grossa a
isso! O juízo de Deus virá sobre você.
Diante do veredito divino, Davi
confessa: Eu pequei!
Arrependido, o rei ouve dos
lábios do profeta que Deus já o havia perdoado, mas que isso não o isentaria
das consequências de seu pecado. Deus não estava disposto a colocar panos
quentes sobre o seu erro, evitando assim que Seu precioso nome fosse
escarnecido entre as nações. Como medida disciplinar, o fruto daquele pecado
não vingaria.
Enquanto a criança sobrevivia,
Davi orava com todas as suas forças, rogando que a sentença divina fosse
revogada. Seus conselheiros já
demonstravam preocupação com seu estado emocional. Ele não comia, nem bebia,
nem se banhava. Só fazia chorar. O que faria se a criança viesse a óbito?
Tão logo a criança morreu, Davi
levantou-se, tomou um banho , alimentou-se e retomou sua rotina. Todos ficaram
estupefatos com sua inusitada reação. Ele, finalmente, virara a página. Já não
adiantava se lamentar. “Eu irei a ela, mas ela jamais virá a mim”, respondeu ao
ser indagado por seus anciãos.
Todos lemos esta história a
partir de Davi. Mas quanta dor Bate-Seba enfrentou! Quão difícil a ela foi sofrer o assédio do
rei, engravidar-se dele, perder seu marido de maneira cruel e covarde, ter que
conviver com o homem responsável por isso, e ainda perder tragicamente seu
primeiro filho.
Que bom saber que a história não
termina assim. Deus é capaz de extrair coisas boas até de nossos equívocos mais
insanos. Uma segunda gravidez estava a
caminho. Mas agora, ela não era um romance do rei, mas sua esposa, aquela que
se assentava ao seu lado no trono.
Em Sua infinita misericórdia,
Deus a presenteara com um filho que sucederia Davi em seu trono. O texto
bíblico diz que Deus amou a Salomão. De todos os filhos de Davi, ele não foi
apenas o escolhido por Deus para sucedê-lo, mas também foi aquele por cuja
linhagem viria Jesus, o Salvador dos homens.
Quem diria... Bate-Seba na árvore
genealógica de Jesus!
Isso não significa que Deus
houvesse endossado o erro de Davi. As consequências foram drásticas. Deus não o
poupou de nenhuma delas. Entretanto, nada disso foi capaz de alterar o Seu
propósito na vida e na descendência do rei salmista.
Lições aprendidas deste episódio:
1 – Estar no lugar certo, fazendo
a coisa certa, na companhia das pessoas certas, nos poupará de dar passos
incertos em nossa vida.
2 – Um erro não justifica outro
erro. A melhor maneira de lidar com nossos erros é admitindo-os diante de Deus.
3 – A misericórdia que usamos
para com os outros será a mesma que se aplicará a nós. Semelhantemente, a
rigidez com que tratamos os outros se voltará contra nós.
4 – O perdão de nossos pecados
não nos isenta de suas consequências.
5 – Devemos lutar para reverter
uma situação que esteja em processo, mas também devemos aprender a virar a
página e seguir em frente quando ela se revela irreversível.
6 – Nenhum de nossos equívocos é
capaz de colocar em risco os propósitos divinos em nossa vida.
7 – Deus é poderoso e amoroso o
suficiente para extrair coisas boas de nossos equívocos.
8 – O que começou errado não está
fadado a terminar errado.
_____________________
* Esta reflexão está baseada nos
seguintes textos: 2 Samuel 11:1-15, 26-27;
12:1-24; 1 Reis 1:28-31
Excelente!
ResponderExcluirSensacional;;;
ResponderExcluirDeus te Abençoe;;;