Por Hermes C. Fernandes
No penúltimo parágrafo do meu último post
sobre o inferno, fiz uma afirmação que inquietou algumas mentes. Qual seria a
vantagem de se crer e obedecer às demandas do evangelho, uma vez que todos
indistintamente serão alvos da misericórdia divina? Apesar de relutar em
responder a tal questão (apesar de pertinente, não gosto de falar em vantagens. Soa-me
pretensioso demais), declarei que os que crerem serão preservados íntegros,
corpo, alma e espírito para o dia de Jesus Cristo, e, por conseguinte, para
toda a eternidade. Enquanto os demais estarão como que fragmentados, haja vista
que sua existência terá sido descartada, porém, sua essência será redimida e preservada.
Em que me baseei para chegar a esta
conclusão? De primeira mão, na passagem em que Paulo diz que o mesmo Deus de
paz nos santificaria em tudo, de modo que o nosso espírito, alma e corpo fossem
plenamente conservados íntegros (1 Tessalonicenses 5:23). Geralmente, pensamos
em integridade como uma virtude moral. Mas neste texto em particular, está se
falando de inteireza, de totalidade, de completude. Nosso ser não se dissipará,
mas chegará inteiro à eternidade. Quando se fala de “espírito” (pneuma), está se falando da essência,
daquela centelha divina que existe em cada ser humano. Trata-se de consciência,
o maior de todos os mistérios. Já a “alma” (psique)
é onde reside nossa personalidade, com suas qualidades, seus traços peculiares,
sua memória, suas emoções, suas vontades. O “corpo” (soma) é o instrumento através do qual interagimos com o mundo à
nossa volta.
Permita-me uma analogia: o computador que
estou usando agora pode ser dividido em três partes distintas, mas que
trabalham em conjunto. Há o hardware,
que é a parte física, a máquina em si, com seus transistores, suas placas, sua
tela, teclado e entradas. Este equivale ao nosso corpo. Há o software composto pelos programas
instalados. Sem ele, a máquina não roda. Este equivale à alma, nossa psique. E
finalmente, há a internet que conecta o computador, via provedor, a uma rede
mundial de computadores. Este é o espírito! E nem precisa dizer que o tal
provedor é o Espírito Santo, mediante quem temos acesso a Deus (Efésios 2:18).
A salvação proposta em Cristo é plena e
abarca o ser por inteiro. Nada se perde! O escritor de Hebreus afirma que
Cristo “pode também salvar perfeitamente
os que por ele se chegam a Deus” (Hebreus 7:25). Em Cristo, existência e
essência se fundem. Tudo o que há no céu e tudo o que há na terra convergem
(Efésios 1:10), tornando-se um todo indivisível, dois lados de uma mesma moeda.
Nem mesmo nosso corpo será descartado. Ele
ressuscitará incorruptível! É um baita equívoco acreditar que seremos espíritos
desencarnados feitos fantasminhas vagando entre as nuvens. Receberemos um corpo
novinho em folha! Convém, porém,
salientar que, a Bíblia fala da ressurreição do "corpo" (soma),
não da "carne" (sarx). Isso, porque "carne e sangue não podem herdar
o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção" (1 Coríntios 15:50).
O corpo espiritual de que fala Paulo será tangível, material, mas não
carnal, nem tampouco sujeito ao desgaste do tempo e à morte (Leia mais sobre a ressurreição do corpo aqui).
O novo corpo não será a continuidade do atual. Paulo
compara nosso corpo atual a uma tenda portátil (tabernáculo), enquanto nosso corpo celestial seria um edifício,
reservado no céu para nós (2 Coríntios 5:1). As moradas a que Jesus se
refere como estando preparadas para nós não são mansões literais, mas nossos corpos
celestiais. Essa
"tenda" é apenas o andaime que precisará ser removido para dar lugar
ao edifício glorioso que emergirá. Ou se preferir, este corpo é o casulo que se romperá para que possamos usufriur plenamente da vida em seu novo estágio na eternidade. Nossos novos corpos serão, ao mesmo
tempo, continuação dos atuais no que tange à morfologia (forma), e algo totalmente novo no que
tange à natureza. Sem este novo corpo, jamais poderíamos viver no
ambiente da eternidade, composto do novo céu e da nova terra, que nada mais são
do que os atuais inteiramente restaurados.
Mesmo que não seja exatamente o mesmo corpo, creio que
nosso corpo espiritual guardará várias de nossas características físicas,
sobretudo, as fisionômicas. É como se Deus guardasse nos arquivos celestiais um backup com a sequência exata de nosso DNA,
acrescido de uma espécie de código de nossa consciência, que preservará intacta
a memória de todas as nossas experiências. Nada se perderá! A única coisa que
será removida de nossa natureza será o pecado, causador da morte. Seremos nós,
nosso código genético, nossa personalidade, nossa fisionomia, porém,
aperfeiçoados, sem enfermidades ou deformações, sejam de caráter físico ou
psicológico. Talvez, apenas algumas cicatrizes que serão como troféus, marcas
de uma vida dedicada à causa do reino de Deus e de Sua justiça.
Fique tranquilo, que certamente nos reconheceremos lá,
mesmo com as eventuais correções em nossa aparência. Nossa personalidade, e,
por conseguinte, nossa memória serão preservadas. Nossa história jamais será
esquecida. Caso contrário, não seríamos nós, mas outros. E não haveria qualquer
razão para ações de graça. Como agradecer por algo de que não temos
qualquer lembrança? Como poderemos louvar ao Cordeiro, se não nos lembrarmos
dos nossos pecados que O levaram à cruz? Quando a Bíblia diz que não haverá mais lembranças das
coisas passadas, não é no sentido de que seremos submetidos a uma espécie de
amnésia. Mas no sentido de que não serão mais essas lembranças que determinarão
nossa vida. Assim como Deus diz não se lembrar dos nossos pecados. Todavia,
ninguém deduz daí que Ele sofra de amnésia.
E quanto aos que serão alvos tão somente
da reconciliação universal? O que eu quis dizer ao afirmar que os tais estarão
como que fragmentados? Sua existência terrena terá sido descartada, restando-lhe
apenas a essência, a centelha divina. Terão que conviver com a vergonha de
terem desperdiçado a oportunidade de existirem por algo mais significativo que
suas próprias vidas.
Algo análogo pode ser visto em Paulo. Sua
vida pregressa era motivo de grande vergonha. Afinal, ele foi um perseguidor
voraz dos seguidores de Cristo. Apesar de inteiramente convertido, o apóstolo
dos gentios teve que conviver com um espinho em sua carne, que segundo ele, era
um mensageiro de Satanás que o esbofeteava, jogando em sua cara seu passado
tenebroso. Suas orações não foram suficientes para que tal espinho fosse
removido. Em vez disso, ouviu de Cristo que a Sua graça lhe bastava.
Pense nisso numa proporção astronômica.
Mesmo não tendo o diabo para acusá-los, nem mesmo um mensageiro dele para esbofeteá-los, os que forem alvos da soberana graça de Deus após sua morte terão que conviver com a lembrança de haver desperdiçado sua existência,
insistindo em viver para si mesmos. Nada lhes poderá remover tal espinho.
Todavia, a mesma graça que bastava a Paulo, ser-lhes-á suficiente para sempre.
Uma pista disso pode ser encontrada na
profecia de Enoque citada por Judas em sua epístola: “Vede, o Senhor vem com milhares de seus santos, para fazer juízo
contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras
ímpias que impiamente praticaram e de todas as duras palavras que ímpios
pecadores contra ele proferiram” (Judas 1:14b-15). Quão profunda e
perturbadora será essa convicção! Se o olhar de Jesus fez com que Pedro
passasse uma noite inteira chorando arrependido por tê-lo negado, como se
sentirão aqueles que o houverem negado por toda sua vida?
Contudo, devo salientar que não creio que
haverá distinção entre cidadãos de primeira classe (que houverem sido salvos
durante sua existência terrena) e cidadãos de segunda classe (que se
beneficiaram unicamente da reconciliação universal). Todos terão consciência de
que foram alvos da mesma misericórdia. A graça que nos salvou em vida, os terá
salvado de uma eternidade de tormento. E não será uma salvação meia-boca.
Abarcará igualmente seu ser por inteiro, corpo, alma e espírito.
Serão como filhos pródigos, recebidos com
festa por um pai amoroso. Duvido que seus irmãos primogênitos se neguem a
participar da grandiosa recepção que os aguarda, como fez o irmão mais velho da parábola.
Primícias. É assim que as Escrituras se
referem a nós, os que houvermos sido alcançados pela graça salvadora ainda em
vida. De acordo com o testemunho de Tiago, “ele nos gerou pela palavra da verdade,
para que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (Tiago 1:18). Somos os que “foram comprados dentre os homens para serem as primícias para Deus e
para o Cordeiro” (Apocalipse 14:4).
Este termo é oriundo da agricultura e
refere-se aos primeiros frutos da terra. O termo também era aplicado à
primogenitura. Somos os primeiros a gozar das bem-aventuranças da nova criação.
Porém, não os únicos.
Formamos o que o escritor
sagrado chama de “igreja dos
primogênitos inscritos nos céus” (Hebreus
12:23). Não somos chamados de unigênitos, e sim de
primogênitos, indicando que haja outros depois de nós.
Enquanto nos dedicamos ao nosso pai, temos
irmãos que como o pródigo da parábola estão desperdiçando suas vidas nos prazeres terrenos. O mesmo pai que
celebra nossa fidelidade e companhia, há de celebrar seu retorno, declarando em alto e bom tom: o que havia se perdido, foi achado e o que estava morto, reviveu.
É importante que se diga que o que tenho
proposto aqui está longe de ser comparado à doutrina do purgatório. O inferno
serve ao propósito de conscientização, não simplesmente de punição ou retribuição. Quem para lá
for enviado terá que reconhecer a gravidade de seu pecado, bem como sua
desesperadora necessidade de redenção. Porém, esta redenção é mediante o
sacrifício de Jesus somente. Não se trata da pessoa pagar por seu pecado, para
então ter direito à vida eterna.
Por quanto tempo viverão no inferno? Esta
é uma pergunta que perde o sentido quando nos damos conta de que se trata de
uma esfera atemporal. Um milionésimo de segundo no inferno poderia equivaler a
uma eternidade em nosso tempo. Neste caso, a intensidade conta mais que a
durabilidade. Imagine o estrago feito por uma gota de lava vulcânica? A
quantidade não significa tanto quanto a intensidade.
Há razões bíblias para se crer que haverá
graduações de castigo. Na parábola contada por Jesus, aquele servo que disser
em seu coração: “O meu senhor tarda em
vir; e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a
embriagar-se, virá o senhor desse servo num dia
em que não o espera, e numa hora de que não sabe.” Porém, “o servo
que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua
vontade, será castigado com muitos
açoites; mas o que não a soube, e fez coisas que mereciam castigo, com
poucos açoites será castigado.
Daquele a quem muito é dado, muito se lhe requererá; e a quem muito é confiado,
mais ainda se lhe pedirá” (Lucas 12:45-48). Uma boa hermenêutica não nos permite
elaborar uma doutrina a partir de uma parábola. Entretanto, esta parábola,
aliada ao bom senso, nos oferece indícios de que a justiça divina requeira
penas proporcionais ao delito praticado.
Obviamente que “açoites” deve ser
entendido com um eufemismo. O algoz que nos aplica tal açoite é a nossa própria
consciência.
Nem sempre estes "açoites" vêm em forma de castigo propriamente. Muitas vezes se manifestam através de gestos de amor que nos constrangem. Trata-se de uma graça que nos deixa absolutamente sem graça. Muito da ética cristã brota daí. Daí a instrução de Cristo para que amemos e tratemos bem a nossos inimigos. "Portanto", conclui Paulo, "se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber, porque, fazendo isto, AMONTOARÁS BRASAS DE FOGO sobre a sua cabeça" (Romanos 12:20). De fato, como disse Paulo, "o amor de Cristo nos constrange" (2 Coríntios 5:14). Juntar brasas sobre a cabeça de alguém é como incendiar sua consciência, deixando profundamente constrangido ante o amor por ele demonstrado. Um exemplo clássico disso é encontrado no livro "Os Miseráveis" de Victor Hugo. Jean Valijean, um ex-presidiário rejeitado por todos é recebido na casa do benevolente bispo Myriel. Mas em vez de mostrar gratidão, rouba-lhe os talheres de prata durante a noite e foge. Logo é preso e levado pelos policiais à presença do bispo, que em vez de incriminá-lo, prefere inocentá-lo, alegando que a prata flagrada com ele havia sido um presente. Após esta demonstração de bondade, Jean Valijean tem sua vida transformada. Ninguém jamais o havia amado como aquele bispo. Pode-se dizer que aquele gesto de amor foi o açoite mais doloroso que ele recebeu na vida, mas que transformou-o em um novo homem.
Nem sempre estes "açoites" vêm em forma de castigo propriamente. Muitas vezes se manifestam através de gestos de amor que nos constrangem. Trata-se de uma graça que nos deixa absolutamente sem graça. Muito da ética cristã brota daí. Daí a instrução de Cristo para que amemos e tratemos bem a nossos inimigos. "Portanto", conclui Paulo, "se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber, porque, fazendo isto, AMONTOARÁS BRASAS DE FOGO sobre a sua cabeça" (Romanos 12:20). De fato, como disse Paulo, "o amor de Cristo nos constrange" (2 Coríntios 5:14). Juntar brasas sobre a cabeça de alguém é como incendiar sua consciência, deixando profundamente constrangido ante o amor por ele demonstrado. Um exemplo clássico disso é encontrado no livro "Os Miseráveis" de Victor Hugo. Jean Valijean, um ex-presidiário rejeitado por todos é recebido na casa do benevolente bispo Myriel. Mas em vez de mostrar gratidão, rouba-lhe os talheres de prata durante a noite e foge. Logo é preso e levado pelos policiais à presença do bispo, que em vez de incriminá-lo, prefere inocentá-lo, alegando que a prata flagrada com ele havia sido um presente. Após esta demonstração de bondade, Jean Valijean tem sua vida transformada. Ninguém jamais o havia amado como aquele bispo. Pode-se dizer que aquele gesto de amor foi o açoite mais doloroso que ele recebeu na vida, mas que transformou-o em um novo homem.
A eternidade é o reino da consciência. O
inferno representa uma consciência perturbada e torturada pela culpa. O céu
representa uma consciência apaziguada, em plena harmonia com os propósitos do
Criador.
Na medida em que nossa consciência vai se
ampliando através do processo chamado de arrependimento
(metanoia = expansão de consciência),
é-nos concedida entrada cada vez mais ampla no reino eterno de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo (Confira 2 Pedro 1:10-11).
Quão gratificante é saber que no universo restaurado por Deus não haverá lugar para uma câmara de tortura e que a misericórdia divina é bem mais ampla do que nos contaram. Como é bom saber que mesmo os que morreram sem o conhecimento desta surpreendente graça há de por ela ser contemplada, pois as misericórdias do Senhor não têm fim, mas se renovam de eternidade em eternidade.
muito boas as publicações, apenas uma observação
ResponderExcluirnão acho que é a ultima publicação sobre o tema
o senhor precisa ser mais claro em alguns pontos
lembre-se o senhor não escreve apenas para teológos
mas para novos convertidos e pessoas simples também
Senhor Hermes, Deus, o autor da vida tem ovelhas simples. O senhor faz bem em ajudar os pobres e publicar estes textos. Mas o senhor nao escreve para estes pobres. Esta linguagem rebuscada no seus textos nao alcanca diretamente os pobres. Seu academicismo e util para um publico restrito e escolarizado ao mesmo tempo em que tambem e distante do coracao dos pobres.
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