Por Hermes C. Fernandes
Da janela do quarto
de uma pousada cravada na Serra da Mantiqueira aprecio a vasta selva, fruto da
inspiração divina. Se bela hoje, imagina antes de ser deflorada pela
intromissão humana.
Como é possível que
haja tantas tonalidades de verde! Sem contar as demais cores das quais o
espectro do arco-íris é uma pálida amostra grátis. Bromélias, ipês-amarelos, jacarandás, jequitibás,
pinheiros e orquídeas disputam espaço sob a abóbada celeste.
É ingênuo acreditar
que a beleza resida na simetria.
Quão pródiga é a vida!
Vida que resiste a temperaturas que podem ser amenas ou severas durante os
rigorosos invernos. Cada centímetro quadrado é povoado pelas mais variadas
espécies que coexistem acolhidas e aquecidas sob o manto protetor da mãe
natureza.
E é sob a sua batuta
que se se executa a mais esplêndida sinfonia, composta, não por violinos,
violoncelos e trompetes, mas por pássaros, sapos e cigarras.
Por mais densa que
seja, a selva é o cenário onde a liberdade corre solta. Pássaros voam
descontraídos por alamedas imaginárias entre opulentas árvores. Sem se
chocarem, driblam habilmente cada obstáculo, para, em seguida, aninharem-se e
assistirem estupefatos ao espetáculo do entardecer.
As pedras proveem a
moldura por onde águas cristalinas jorram, num convidativo fluxo ininterrupto
pleno de vida.
E o que dizer das
fragrâncias? Como distingui-las quando o vento as espalha arteiramente
confundindo nosso olfato? Talvez esta seja uma tarefa para as borboletas.
Quem diria que tal
ordem emergiria despudoradamente do caos!
Doutra feita, da
janela de um hotel numa grande metrópole norte-americana, eu admirava a 'selva
de pedra', fruto da genialidade humana.
Quanta aridez feita
de cimento e aço!
Recapitulando Babel,
cada edifício é um monumento à nossa arrogância. O vidro que os reveste serve
para espelhar nosso narcisismo crônico.
Que outra sensação
nos seria provocada senão a de claustrofobia a céu aberto?
Quão monótona é a
simetria dos ângulos retos!
Lá embaixo carros
barulhentos disputam espaço nas avenidas calculadamente traçadas e tumultuadas.
Uma orquestra feita de roncos de motores e buzinas alucinadas, regidas sob a
batuta da estupidez.
Esgotos fluem
impunemente sob sucessivas camadas de asfalto. Seu insuportável odor é disfarçado
pelos gases tóxicos emitidos por nossas fábricas e veículos, igualmente
responsáveis por desbotar o azul do céu, conferindo-lhe um tom morbidamente
acinzentado.
Quão caótica é a
ordem que impusemos ao mundo!
Entre os cômodos e
corredores, avenidas e vielas, não há vida, apenas mera existência.
Da minha janela, não
posso ver o pôr do sol. Apenas inúmeras outras janelas de onde outros como eu
observam a mesma cena, caso não estejam entretidos em seus afazeres. A vida é
consumida pelos sonhos de consumo.
Os frutos que
colhíamos livremente no paraíso foram substituídos pelas bugigangas que
compramos com o suor do nosso rosto ou, pior, com o suor do rosto alheio.
Por estas e outras
que me sinto compelido a confessar: Inspira-me mais a arquitetura das flores
que dos arranha-céus.
Numa das janelas, a
vida apetece. Noutra, acontece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário