Páginas

quarta-feira, novembro 23, 2016

Por que a Black Friday se tornou em Black Fraude no Brasil?



Por Hermes C. Fernandes

Costumo ser bem crítico à qualquer tentativa de se importar certos modismos, principalmente quando se trata dos enlatados "made in USA". Mas isso não me impede de reconhecer tanto virtudes, quanto vicissitudes da cultura americana. Não acho, por exemplo, que tenhamos necessidade de importar uma festa popular como Halloween, já que temos uma cultura tão rica. Porém, não vejo razão para demonizarmos a festa.

Jamais poderia supor que o Brasil aderiria à onda do Black Friday. Participei algumas vezes durante o período em que morei nos EUA com minha família e achei que seria ótimo se tivéssemos algo parecido em nosso país. Sempre na sexta-feira após o Dia de Ação de Graças, as pessoas madrugam nas filas intermináveis das lojas, num frio que costuma estar abaixo de zero. Apesar disso, todo esforço é recompensado. Os preços realmente despencam. 

Aderimos ao Black Friday, mas não aderimos ao Dia de Ação de Graças. Pode até parecer que isso não tenha nada a ver, mas tem. Sem a ética preconizada pela gratidão, a Black Friday pode vir a ser uma Black Fraude, como estamos vendo no Brasil.

Dias antes, o comércio aumenta sensivelmente os preços dos seus produtos, para depois anunciar descontos de até 70%. O problema é que o aumento dado antes costuma ser superior ou pelo menos igual ao desconto anunciado. Isso é fraude!

Falta-nos a ética da gratidão, e os escrúpulos que esta ética produz em nosso caráter. 

Isso nos remete à parábola contada por Jesus em que certo rei convocou seus servos para um acerto de contas. Um deles lhe devia dez mil talentos, porém, não tinha como pagar. O rei, então, requereu como pagamento de sua dívida, sua mulher e filhos. Desesperado, o homem prostrou-se e rogou que o rei fosse generoso para com ele e lhe desse mais prazo para quitar sua dívida. Movido de compaixão, o rei mandou soltar-lhe, perdoando totalmente sua dívida. Ao sair dali aliviado, aquele homem deparou-se com um colega que lhe devia quantia bem inferior à dívida que acabara de ser-lhe perdoada. Partindo pra cima dele, como quem quisesse sufocá-lo, bradava com as mãos em seu pescoço: Paga-me o que me deves! Seu colega implorou-lhe que o perdoasse, exatamente como ele havia feito com o rei minutos antes. Mas ele foi irredutível. Mandou-o pra cadeia até que pagasse a dívida. Quando o rei soube do ocorrido, ficou tão decepcionado que mandou chamá-lo de volta e cancelou o perdão que lhe concedera (Mt.18:23-34), enviando-o igualmente para a prisão até que saldasse a dívida.

A ética da gratidão deveria nos tornar menos gananciosos. O Black Friday americano só é possível porque é antecedido pelo Dia de Ação de Graças. Somente consciências constrangidas pela gratidão é capaz de abrir mão de parte de seus lucros. Já que a vida tem sido tão generosa conosco, por que não compartilhar parte desta generosidade com os demais?

Semelhante ao que tem sido vergonhosamente praticado aqui, os fariseus contemporâneos de Jesus também cometiam fraude em nome de sua religiosidade.
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.” Mateus 23:15
Era o mesmo espírito das propagandas falsas que enchem os encartes de nossos jornais no dia de hoje. Se fossem anúncios sinceros, diriam: Tudo pela metade do dobro!

Para fazer um novo convertido (prosélito), o fariseu era capaz de qualquer sacrifício. Percorriam qualquer distância, ainda que sob o sol escaldante de 40º. Isso constrangia a pessoa de tal maneira que, em resposta, acabava aceitando sua proposta religiosa. Todavia, uma vez convertido, o jugo que se colocava sobre seus ombros era duas vezes mais pesado do que o que lhe fora removido. Pois é justamente isso que ocorre em nossos dias. Igrejas investem massivamente em propaganda, fazem promessas irrecusáveis, mas depois que a pessoa cede ao seu apelo, coloca-se sobre ela um peso muito maior do que aquele que ela carregava antes. Trata-se, portanto, de uma Black Fraude! 

Uma vez enredada, dificilmente a pessoa consegue se livrar. As ameaças são constantes. Inferno, maldições, legiões de demônios, são apenas alguns itens daquilo que poderá sobrevir na vida de quem resolve desertar dessas igrejas farisaicas. 

Só há uma maneira de se corrigir isso. Qualquer proposta de espiritualidade que não seja precedida pela oferta da graça deve ser imediatamente recusada. Para ser Black Friday legítima tem que ser antecedida pelo Dia de Ação de Graças! 

Consciências perdoadas devem dispor-se a perdoar. Quem se beneficiou da generosidade deste Deus deve igualmente ser generoso com os demais. 

Chega de Black Fraude! Chega de religiosidade exploradora. Recuse-se  a ser duas vezes mais filho do inferno. Em vez disso, seja um instrumento da graça e do amor perdoador do nosso Deus. 

Quem preferir cair no conto do vigário, só lamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário