Por Hermes C. Fernandes
O que você faria se na contagem regressiva para o ano novo,
antes que os fogos estourassem, Deus aparecesse para você e dissesse: Pede-me o
que quiser que te darei? Diga-me sem pensar: que pedido estaria na ponta da
língua? Uma cobertura de frente para a praia?
Um carro novo importado? Promoção no trabalho? Prêmio da loteria?
Casamento? A gente fica até tonto só de
imaginar, não é verdade? Como não aproveitar a maior chance de nossa vida?
Pois foi justamente isso que aconteceu a ninguém menos que
Salomão, o sucessor de Davi no trono de Israel. Sabe o que ele pediu? Se respondeu “riquezas”,
errou feio. Ciente de sua grande responsabilidade
à frente do seu povo, o jovem monarca pediu que Deus lhe desse “sabedoria e conhecimento para saber sair e
entrar perante aquele povo.” [1]
Deus sorriu. Quem mais lhe pediria algo assim? Mas pensando
bem, de que adiantaria pedir riquezas sem que tivesse a sabedoria necessária
para geri-las? De que adiantaria o aumento de seu império sem sabedoria para
administrá-lo? Seria como pedir um carro
sem estar devidamente habilitado.
Mais interessante ainda é a resposta que Deus lhe dá ante
àquele inusitado pedido:
“Então Deus disse a Salomão:
Porquanto houve isto no teu coração, e não pediste riquezas, bens, ou honra,
nem a morte dos que te odeiam, nem tampouco pediste muitos dias de vida, mas
pediste para ti sabedoria e conhecimento, para poderes julgar a meu povo, sobre
o qual te constituí rei, sabedoria e conhecimento te são dados; e te darei
riquezas, bens e honra, quais não teve nenhum rei antes de ti, e nem depois de
ti haverá.”
Cumpriu-se na vida de Salomão o que Paulo diria séculos
depois: “Ora, àquele que é poderoso para
fazer tudo mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o
poder que em nós opera.”[2]
Há certos pedidos que, uma vez atendidos, trazem consigo
bônus inesperados. Porém, se invertemos as coisas, priorizando o que não tem
tanto valor assim, ainda que sejamos atendidos, o que hoje nos chega às mãos como
bênção, amanhã ou depois se dissipará como fumaça. Imagine se Salomão houvesse pedido
riquezas, será que de quebra Deus lhe daria também sabedoria? Acredito que não,
pois seu pedido revelaria seu caráter ganancioso.
Agora, repare num detalhe de seu pedido: ele suplicou que
Deus lhe desse sabedoria para “entrar e sair”; em outras palavras, ele queria
começar e terminar bem. De nada adianta iniciar algo da melhor maneira
possível, mas não ser capaz de levar aquilo adiante.
Já que estamos a poucas horas do fim de mais um ano,
gostaria de propor que nos concentrássemos em saber sair. Se não soubermos como sair, também não saberemos como
entrar.
Permita-me enumerar alguns critérios que nos farão sair bem,
não apenas do ano que se encerra, mas também de qualquer situação, ambiente, emprego,
ou mesmo relacionamento.
1 – Sair bem é sair
com a sensação de missão cumprida
Quando se despedia dos irmãos de Éfeso, Paulo afirmou que
durante os três anos que lá estivera, jamais se esquivou de anunciar-lhes tudo
o que era útil, bem como todo o conselho de Deus. Portanto, ele se despedia de
cabeça erguida. Fez o seu melhor. Não poupou energia. Trabalhou diuturnamente,
tanto publicamente, quanto de casa em casa, para que tomassem conhecimento de
toda a verdade encerrada no Evangelho. Mesmo que não tenhamos alcançado as
metas programadas, se fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, não há porque
nos lamentar.
Os efésios até questionaram a razão de Paulo querer deixá-los
num momento tão promissor. Dizem que em time que está ganhando não se deve
mexer. Todavia, quem vive por um propósito, não se deixa iludir com resultados,
sejam positivos ou negativos. De acordo com o apóstolo, sua decisão de deixar
Éfeso e partir para Jerusalém era em obediência a uma direção do próprio Espírito Santo, mesmo
sabendo que lá lhe aguardavam prisões e tribulações. Diante das tentativas de dissuadi-lo, Paulo
diz:
“Em nada tenho a minha vida como preciosa para mim, contando que
complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar
testemunho do evangelho da graça de Deus. E eis agora, sei que nenhum de vós,
por entre os quais passei pregando o reino de Deus, jamais tornará a ver o meu
rosto.”[3]
Era como se dissesse: Não adianta querer fazer chantagem
emocional. Sei que vocês me amam, se importam comigo, mas minha missão aqui
terminou. É pra frente que se anda!
Antes de partir, Paulo faz algumas recomendações, preparando-os
para a sua ausência. Nossa missão não termina quando saímos. O verdadeiro
sucesso só se consolida quando há sucessão. Com efeito, Paulo diz: Fiz a minha
parte, agora é a vez de vocês. Tratem de cuidar do rebanho que o Espírito Santo
confiou em suas mãos. Eu sei que depois da minha partida, surgirão lobos cruéis
que não pouparão o rebanho. Então, fiquem espertos, lembrando-se de que durante
esses três anos, tenho admoestado vocês com lágrimas.
Mesmo que não haja previsão de sair, trabalhe sempre com o
objetivo de preparar o ambiente e as pessoas para lidaram com sua eventual
ausência. Invista na autonomia das
pessoas. Prepare seus filhos para a vida, para se virarem sem você. Isso também é saber sair de cena,
evitando que todo o seu trabalho tenha sido um desperdício de tempo e energia.
2 – Saber sair é sair
com gratidão
Por mais difícil que tenha sido o ano de 2015, há razões de
sobra para sermos gratos a Deus. Afinal, sobrevivemos. Somos mais fortes hoje do
que quando adentramos o ano. Parafraseando Nietzsche, o que não causa sua
morte, no mínimo, lhe faz mais forte. Então, que tal parar de se lamentar? O casamento não vingou? Não foi o que você
imaginou? Nunca se esqueça dos bons momentos que viveram juntos, mesmo quando
estiveram diante das barras de um tribunal. Foi despedido do emprego sem justa
causa? Não lhe deram seus direitos? Você está coberto de razão em estar decepcionado.
Mas jamais se esqueça do quanto aquele emprego foi bênção em sua vida enquanto
durou.
Nada que nos aconteça é em vão. Não há ninguém que entre em
nossa vida à toa. Nem há lugares pelos quais passemos que não interfiram na
maneira como enxergamos a vida e o mundo. Como disse Saint-Exupéry, autor de “O
Pequeno Príncipe”: “Aqueles que passam por nós não vão sós, deixam um pouco de
si, levam um pouco de nós.”
Paulo demonstra a mesma percepção em sua primeira carta aos
Tessalonicenses. Ele diz:
“Porque vós mesmos, irmãos, bem
sabeis que a nossa entrada para convosco não foi vã (...) Por isso também
damos, sem cessar, graças a Deus (...) Por que, que ação de graças poderemos
dar a Deus por vós, por toda a alegria com que nos regozijamos por vossa causa
diante do nosso Deus.”[4]
Queixar-se de tudo
não vai nos levar a lugar algum. Já pensou se na manhã do primeiro dia do ano
só nos restasse aquilo pelo qual temos sido gratos? O que nos sobraria?
Além de sermos gratos por tudo que nos aconteceu e tudo do
que fomos poupados, busquemos igualmente ser motivo de gratidão para os que nos
cercam. Que durante o ano que se aproxima, ninguém se dirija ao trono da graça
para queixar-se de nós, mas somente para agradecer a Deus por nossa existência. Agradecer a Deus por alguém é mais do que pedir por ele.
3 – Saber sair é deixar
a porta aberta
Ainda não inventaram a máquina do tempo. Que pena! Quando a
inventarem, quero ser o primeiro da fila. Sempre fui aficionado por filmes de
viagens no tempo, desde de criança, quando assistia ao seriado “O Túnel do
Tempo”. Daqui a pouco, 2015 estará no
passado. Nada há que possamos fazer para reverter isso. Porém, há lugares por
onde passamos, que talvez devamos passar novamente em 2016 ou os próximos anos.
Há pessoas que encontramos, que certamente reencontraremos. Logo, nada mais
sábio do que deixar a porta aberta.
Na mesma carta endereçada aos cristãos de Tessalônica, Paulo
diz que orava abundantemente dia e noite para que pudesse rever os seus rostos
e suprir o que porventura lhes faltasse em sua experiência de fé. [5]
Por mais que acreditemos que nossa missão em algum lugar haja terminado, pode
ser que falte um complemento. Dai a importância de deixar a porta aberta. Nunca
sabemos o que nos reserva o dia de amanhã.
4 – Saber sair é sacudir
a poeira e seguir em frente
Jesus jamais iludiu a ninguém. Ao enviar Seus discípulos,
deixou claro que nem sempre teriam sucesso por onde passassem. Haveria lugares
de onde seriam expulsos e pessoas que os rejeitariam. Como fazer para que essas
amargas experiências não comprometessem empreendimentos futuros?
Observe a orientação dada aos Seus pupilos:
“E, quando entrardes nalguma
casa, saudai-a; e, se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se
não for digna, torne para vós a vossa paz. E, se ninguém vos receber, nem
escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos
vossos pés.” Mateus 10:12-14
Dizem por aí que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar
(há controvérsias...rs). Mesmo que caia, a probabilidade é mínima. Então, não
há razão de viver nos auto-sabotando por causa das experiências ruins que
tivemos no passado.
O que há de bom para ser relembrado, celebremos com
gratidão. Mas aquilo de que nos lamentamos deve ser sacudido de nossos pés.
Entrar o ano novo com o coração cheio de mágoas, ressentimentos, queixas é como
entrar numa sala que acabou de ser faxinada com os pés enlameados. Deixemos em 2015 o que não merece ser trazido
para 2016. Caso contrário, seguiremos sendo assombrados por fantasmas que já
poderiam ter sido exorcizados.
A todos os meus leitores e companheiros de jornada, desejo um ano em que possamos viver tudo o que houver para se viver, sob os auspícios da graça do Cristo.
[1] 2
Crônicas 1:7-12
[2] 2
Crônicas 1:7-12
[3] Atos 20:17-32
[4] 1 Tessalonicenses 2:1,14; 3:9
[5] 1 Tessalonicenses 3:10-11
Abaixo, o clássico "Volta por cima" de Paulo Vanzolini na doce voz de Lienne Aragão.
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