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quinta-feira, abril 02, 2015

O sentido existencial da Páscoa



Por Hermes C. Fernandes

Passagem. Todos, sem exceção, estamos de passagem. Não estamos vindo. Estamos indo. Não estamos de chegada. Estamos de partida. Vemos paisagens que nunca mais veremos. Vivemos situações que jamais serão revisitadas. Encruzilhadas que não se repetirão. 

A festa mais importante do calendário religioso judaico-cristão retrata justamente isso. Páscoa (Pessach, em hebraico) significa “passagem”. Foi instituída durante o chamado “Êxodo”, que por sua vez, significa “saída”.

Nada jamais será como antes. A vida segue um irreversível fluxo de mudanças. E as maiores mudanças não se dão pela variação de cenários, mas na sucessão de paisagens internas. Nosso mundo interior está sujeito a rearranjos. A cada nova peça encontrada, o quebra-cabeça que parecia estar devidamente montado, desafia-nos a ressignificá-lo. Novas combinações fazem com que imagens inusitadas emerjam.  

Cada pessoa que atravessa nosso caminho traz novos elementos que contribuirão nesta transformação. Alguns que hoje nos brindam com sua companhia, ficarão pelo caminho, mas continuarão a nos acompanhar em nossa lembrança.  Parafraseando Saint-Exupéry, “cada pessoa que passa por nós, não nos deixa sós, deixa um pouco de si, leva um pouco de nós.”

Quem se atreveria a atravessar um deserto sozinho? A solidão não passa de ilusão. Somos habitados por todos os que cativaram nossa atenção em algum momento do trajeto. Afetos não se desfazem, apenas se transformam. Alegrias viram saudade. Feridas se tornam cicatrizes. 

Assim como temos um DNA que nos difere de todos os demais seres humanos, nossas experiências e relações nos fornecem um tipo de DNA existencial que nos torna únicos, indivíduos absolutamente autênticos. Ainda que tais elementos sejam encontrados em outros, a ordem sequencial em que se apresentam em nossa composição é absurdamente única. Portanto, enquanto caminhamos, somos seres inacabados à espera de novos elementos que nos comporão. 

A tão desejada Terra Prometida se insinua no horizonte. Mas nossa visão é bloqueada por uma cordilheira montanhosa.  As mesmas montanhas que bloqueiam nossa visão, servem-nos de plataforma para possibilitar que enxerguemos mais longe. Tudo vai depender de onde nos pusermos, se nos pés do monte ou em seu topo. A fé nem sempre remove montanhas. Às vezes ela nos faz escalá-las.

Quem tentar rodeá-las estará fadado a andar em círculo.

Dificuldades superadas nos servem como referências geográficas nesta paisagem interior. Sabemos de onde viemos e para onde estamos indo.

Porém, mais importante do que a viagem, não é apenas o destino em si, mas, sobretudo, a companhia.

Feliz é quem, em vez de buscar seguidores, procura por companheiros. As areias do deserto não nos permitem deixar rastro. Como, então, poderão nos seguir?

Todavia, não estamos abandonados à própria sorte. Seguimos a nuvem. A mesma que nos aquece durante as noites gélidas e nos refresca sob o sol escaldante. Seguimos Àquele que está acima de nós. O único que foi capaz de enfrentar o deserto sozinho. Não seguimos uns aos outros. Seguimos ao Ressurreto, enquanto oferecemos companhia aos que compartilham da mesma travessia.

Qual será nossa surpresa quando finalmente atravessarmos o Jordão da nossa existência e reencontrarmos lá todos os que nos ofereceram sua companhia ao longo do trajeto.

Não existe “adeus”! No máximo um “até logo”. Por vezes, o reencontro se dá antes mesmo do Jordão. As contingências da vida faz com que a gente se perca, e eventualmente se ache e seja achado. Mas, se porventura, não nos esbarrarmos mais durante a viagem, certamente nos veremos para além do rio, onde nada mais passará, mas durará para sempre. 

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