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quinta-feira, março 19, 2015

Tudo o que não presta você vê por aqui...



Por Hermes C. Fernandes

Ambição, inveja, homicídio, promiscuidade, incesto, adultério... onde mais encontramos tais elementos além das novelas globais? A resposta é: na Bíblia!

Eu não confiaria num livro em que seus personagens fossem seres míticos, moralmente perfeitos, anjos travestidos de gente. Em vez disso, as Escrituras nos apresentam seres ambíguos, capazes de oscilar entre o heroísmo e a vilania, entre a pureza e a vileza. Nem Davi e sua família escapam. Digo Davi pelo fato de ele ser o único a receber a alcunha de “homem segundo o coração de Deus”.

Mas não confunda as coisas. Fazer alusão a fatos não é o mesmo que fazer apologia deles. A intenção dos escritores sagrados era expor a condição do coração humano e sua absoluta carência da graça divina.

O problema humano está para além dos ambientes externos. Há quem se mantenha fiel dentro dos palácios da Babilônia, como foi o caso de Daniel e seus amigos, ao passo que há quem se entregue a devaneios libidinosos nos palácios de Jerusalém. Nosso problema está diretamente relacionado aos ambientes do coração. Em cada esquina da alma há uma armadilha. Pouco importa se você está num mosteiro ou numa praia de nudismo, em Cafarnaum ou em Sodoma.

Quem poderia supor, por exemplo, que a família de Davi fosse tão disfuncional e problemática? E olha que ninguém ali assistia às novelas da Globo! rs

Um dos episódios mais dolorosos vividos envolvendo seus filhos está aquele em que seu filho Amnom se apaixona pela própria irmã. O texto sagrado diz que ele angustiou-se até adoecer. Teria sido pela culpa que carregava? Não! Sua depressão tinha outra razão: sua irmã era virgem, “e parecia impossível a Amnom fazer coisa alguma com ela”. Não bastasse ela ser sua irmã, o que em si já se constituía num enorme obstáculo, ela também era virgem. Se não o fosse, tudo seria mais fácil. Em momento algum ele se vê diante de um dilema moral. O sentimento de culpa passou longe.

Sua obsessão por sua irmã era tão grande que afetou sua saúde física. Jonadabe, seu primo e amigo confidente, perguntou-o sobre a razão de estar emagrecendo tão rapidamente. Sua resposta concisa foi: “Amo a Tamar, irmã de Absalão, meu irmão.”

Repare nisso: Ele não disse que amava sua própria irmã, e sim que amava a irmã de seu irmão. Não seria isto um mecanismo de fuga, uma maneira de atenuar sua culpa? Ele não a considerava sua irmã, mesmo porque, eles eram filhos do mesmo pai, mas não da mesma mãe.

Seremos humanos somos experts em driblar a consciência, nem que para isso tenhamos que apelar a um jogo de palavras. Palavras escondem mais que revelam. Pena que insistimos em ler apenas o que está escrito, perdendo o que jaz nas entrelinhas. Prestamos demasiada atenção ao que se é dito, mas não às pausas entre as palavras e à lógica circular que visa distrair o foco.

Sagaz, Jonadabe não poderia deixar o amigo sem uma palavra de incentivo, ainda que fosse para o mal.

– Você vai fazer o seguinte: Finja que está doente e quando seu pai vier lhe visitar, peça que libere sua irmãzinha para cuidar pessoalmente de você e lhe dar comidinha na boca. Aí, quando ela vier, você dá o bote, sacou?

A ideia parecia brilhante. Era tudo uma questão de tê-la ali ao alcance das mãos. Davi caiu direitinho e enviou sua filha Tamar para cuidar de um dos pretensos candidatos à sucessão do trono. Como ele poderia supor que seu filho estivesse tramando para possuir a própria irmã? Esta era uma possibilidade completamente fora de cogitação. Não condizia com a educação que havia dado a seus filhos.

Tamar fez o que lhe fora pedido. Preparou bolos, tentou dar-lhe de comer direto na boca, mas ele se recusou como uma criança mimada. Para que seu intento fosse alcançado, ele teria que estar sozinho com ela. Além da privacidade requerida, não poderia haver testemunhas do que ocorreria ali. Ele, então, ordena que todos os seus criados deixem o seu aposento. A ideia era não deixar rastro. Se não desse certo, tudo morria ali mesmo. Ninguém precisava saber.

O que nos inibe de fazer muitas coisas é a tal “nuvem de testemunhas” sempre a postos (Hb.12). Mas se obtivermos a privacidade necessária, nossos demônios veem à tona.

– Chega mais perto agora. Quero comer de suas mãos – convida Amnom à sua indefesa irmã.

Inocente, ela se aproxima sem imaginar o risco que corria.

– Agora vem cá, deita comigo!

– Você está louco? Não é assim que as coisas funcionam aqui em Israel!

Para a coitada da menina, tudo tinha a ver com o ambiente. Se estivessem na Babilônia, quem sabe... mas não ali em Jerusalém.

Mesmo em sua santa ingenuidade, Tamar ainda tenta chamá-lo à consciência.

– Se fizer comigo o que está desejando, como é que vou lidar com a minha vergonha?

Em outras palavras: - Alguém poderá deduzir que fui eu que o seduzi. Vão achar que facilitei, que me insinuei pra você.

Este tipo de argumento machista a gente vê por aqui... não na Globo ou no Brasil, mas em pleno palácio do grande rei Davi. Mulheres vítimas de estupro, além de carregar a dor de terem sido molestadas, ainda têm que suportar a acusação de terem provocado.

Tamar era mais que um rosto bonito e um corpo bem esculpido. Como ele não se importou com a vergonha que ela teria que carregar, apelou, então, para outro argumento:

– Vão comentar por aí que você está louco! Você não se importa? Sua reputação vai pro lixo junto com qualquer pretensão de um dia ser rei em Israel. Será que vale a pena pagar um preço tão grande por uma noite de volúpia com sua própria irmã?

Nem mesmo este argumento conseguiu dissuadi-lo de forçá-la. Ela, então, resolve lançar mão de um último argumento:

– Se quer mesmo fazer isso, por que não faz da maneira certa? Se você me pedir ao rei, tenho certeza de que ele não me negará a você.

É óbvio que Davi jamais atenderia a um pedido inusitado daqueles. Imagine, entregar a própria filha ao irmão... mas em seu desespero, foi o que ocorreu a Tamar. Ela inverteu a lógica maquiavélica. Não são apenas os fins que justificam os meios. Se é possível alcançar um objetivo nobre por meios errados, também é plausível alcançar um objetivo funesto por meios aparentemente mais decentes.

Obcecado, Amnom nem sequer considerou os argumentos de Tamar. “Sendo mais forte do que ela, forçou-a e se deitou com ela.”

Um estupro incestuoso! Onde? Em Sodoma ou Gomorra? Não! Na Babilônia? Também não. Em Jerusalém, a poucos metros dos aposentos reais.

Jonadabe tinha razão. O plano deu certo. Amnom conseguiu o que queria. Sua irmã não pôde resistir, não ao seu encanto, mas à sua força.

Sempre haverá por perto algum Jonadabe pronto a instigar o que há de pior em nossa natureza. Mas também sempre haverá quem busque suscitar nossa consciência, chamando-nos ao bom senso. Neste caso em particular, foi a própria Tamar. A eloquência das vítimas é sempre menosprezada por seus algozes. É mais fácil ouvir o canto de um galo do que dar ouvidos ao argumento daquele a quem pretendamos usar, explorar e oprimir.

Após consumar o ato, “sentiu Amnom grande aversão por ela, pois maior era a aversão que se sentiu por ela do que o amor que lhe tivera.”

Eis a diferença entre propósito e obsessão! Quando alcançamos um propósito, sentimo-nos realizados. A sensação que temos é de missão cumprida. Porém, quando somos tomados por uma obsessão, a sensação que se segue é de aversão, nojo e culpa.

Quem se guia por propósito sempre leva em conta os desdobramentos, “o dia depois de amanhã”, as consequências imediatas e as que virão a médio e longo prazo. Quem se deixa levar por uma obsessão só está preocupado com o prazer do momento. Ainda que seja uma “boa” obsessão, como por exemplo, o casamento, a formatura, a gravidez, etc. Depois de concluído a graduação, a pessoa se pergunta: O que foi que eu fiz da minha vida? E agora, o que vou fazer? O mesmo se aplica a outras áreas. A gente se põe a construir uma torre sem calcular seus custos e acaba deixando-a pela metade. O entusiasmo inicial cede a um sentimento de desânimo e, às vezes, de aversão. Provamos não ter cacife para custear a manutenção de sonhos alcançados com relativa facilidade. O difícil não é casar, mas manter-se casado. Não é formar-se, mas sentir-se realizado naquilo que faz. Não é conceber um filho, mas educá-lo.

O nojo que Amnom sentiu da própria irmã foi tão grande que ele ordenou que seu criado a pusesse para fora, sem dó nem piedade. Onde foi parar todo aquele amor que sentia por ela? Simplesmente, não era amor, mas obsessão. Entre o amor e o ódio há um enorme abismo, mas entre a paixão e a aversão há apenas uma linha tênue.

Tamar deixa o quarto de seu irmão completamente desolada. A virgindade ainda era um tabu. Perdê-la sem ter se casado significava ter que sair da casa dos pais. Mas espera aí... ninguém sabia. Não houve testemunhas! Se ela se calasse, tudo continuaria como antes.

Em vez disso, ela prefere tomar uma atitude inesperada. Era melhor enfrentar sua nova condição com honestidade do que passar o resto de seus anos sob o manto da hipocrisia.

Naquela época, as filhas dos reis se vestiam com túnicas que as identificam como donzelas. Se mantivesse tudo em segredo, ela poderia continuar a usar a mesma túnica. Quem jamais ousaria conferir?

Tamar, porém, ao ser enxotada do quarto de seu irmão, rasgou sua túnica e lançou cinza sobre sua cabeça para indicar o quão amargurada estava. Quem quer que a visse naquele estado saberia que ela já não era uma donzela.

Foi muito fácil Bartimeu lançar fora sua capa. Difícil foi Tamar rasgar sua túnica. É fácil lançar fora o que nos desonra, o que nos torna seres de segunda classe. Difícil é rasgar o que nos torna pessoas especiais aos olhos dos demais. Jesus disse que deveríamos nos desapegar tanto de túnicas quanto de capas (Mt.5:40). Portanto, temos que estar prontos a abrir mão tanto do que nos desfavorece, quanto do que nos favorece. O que não devemos é viver sob a capa da hipocrisia.

Entre os romanos havia um adágio que dizia que não basta ser mulher de César, tem que parecer mulher de César. Damos muito mais valor à aparência do que ao conteúdo. Por isso, a hipocrisia segue imperando, inclusive nas igrejas. Justamente num ambiente onde deveria prevalecer a transparência, somos bombardeados com mensagens que insistem em nos convencer a exibir uma fachada de falsa espiritualidade. A gente ri, quando no fundo quer chorar. A gente canta, quando no fundo preferia apenas orar. Parece que nos esquecemos da recomendação de Tiago: “Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores” (Tg.5:13).

A transformação operada pelo Espírito Santo em nós requer que estejamos com o rosto descoberto e não posando de santos imaculados.

O que impede muitos de aderirem a este espírito despojado de falsa espiritualidade é a falta de amor entre os irmãos. As pessoas estão sempre prontas a julgar, quase nunca prontas a acolher. Usam jogo de palavras para transformar vítimas em cúmplices de seus algozes. Em suma, sobra lei, falta graça.

Quando Absalão viu-a naquele estado, concluiu que alguma coisa havia acontecido e indagou:
“Esteve Amnom, teu irmão, contigo? Ora pois, minha irmã, cala-te; é teu irmão. Não se angustie o seu coração por isto. Assim ficou Tamar, desolada, em casa de Absalão, seu irmão.”
Já que não poderia mais morar no palácio, Tamar foi acolhida por seu irmão mais velho. Mas, de que adiantava oferecer-lhe um teto, mas negar-lhe os ombros? E que discurso mais machista foi aquele? Que estória é esta “deixa pra lá”? As coisas não se resolvem sendo varridas para debaixo do tapete. Nem mesmo na cabeça de Absalão a situação estava equacionada. O texto diz que ele preferiu não emitir qualquer opinião, nem sequer procurou Amnom para uma conversa franca. Mas, no fundo, nutria um ódio mortal pelo irmão por haver estuprado a Tamar.

A propósito, alguém viu Davi por aí?

Não perca as cenas dos próximos capítulos desta novela bíblica que se passa em Jerusalém, ou seria na Babilônia?

* Texto baseado em 2 Samuel 13:1-22

6 comentários:

  1. Graça e paz, Bispo Hermes! SENSACIONAL!!!!!

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  2. Anônimo6:38 PM

    PAULO disse: Concluindo, caros irmãos, absolutamente tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso pensai. 9Tudo o que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em mim, isso praticai; e o Deus de paz estará convosco.

    Acredito que isso não dever ser só para o pensamento , mas também para os olhos , ouvidos etc...

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  3. Anônimo6:41 PM

    Jesus Cristo veio justamente para transformar o coração humano...e com isso renunciar ao mal , e reprovar suas obras .

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  4. Anônimo6:45 PM

    PAULO DISSE:Concluindo, caros irmãos, absolutamente tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso pensai. 9Tudo o que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em mim, isso praticai; e o Deus de paz estará convosco

    Poderíamos também dizer:

    Concluindo, caros irmãos, absolutamente tudo o que for verdadeiro, tudo o que for honesto, tudo o que for justo, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, nisso COLOCAIS VOSSO OLHOS ...

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  5. Anônimo4:41 PM

    Hermes achei que vc não ia parar de escrever ô louvo meu!
    Dá para resumir no próximo capítulo por gentileza.o

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  6. Anônimo9:46 PM

    Pastor amo vossa senhoria e suas postagens e concordo com tudo que escreves,mas eu proibi esta novela aqui em casa rsrs,sou eu e meu marido e ele acatou,nao pertenco a nenhuma denominacao evangelica acho que o que temos que fazer e assistir menos tv e refletir mais na Palavra de Deus.

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