Por Hermes C. Fernandes
Chamem-me de sentimentalista, se quiserem. Mas é
inadmissível que aqueles em que se deve encontrar “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” sintam-se
confortáveis ante a realidade do inferno.
Se é verdade que o amor jamais se acaba, logo,
estamos “condenados” a amar para sempre os que nos acompanham na estrada da
existência. Mesmo depois que adentrarmos os portais celestiais, nosso amor por
cada um deles permanecerá e, talvez, até aumente, uma vez que estaremos livres
dos ruídos de nossa natureza pecaminosa. Quem ama, certamente se importa com o
bem do ente amado. Como, então, poderíamos nos sentir plenamente felizes
desfrutando da glória destinada aos filhos de Deus, sabendo que em algum lugar
do universo, as pessoas a quem tanto amamos estarão sendo torturadas, e que seu
sofrimento não duraria um dia, nem um ano, ou mesmo um século, mas por toda a
eternidade?
Será que teremos que desistir de amá-las? Será que
Deus nos submeterá a uma amnésia? Será que pais que foram salvos terão que se
esquecer da existência dos filhos condenados à perdição?
Por duas vezes lemos no livro de Apocalipse que Deus
enxugará dos nossos olhos toda lágrima (7:17; 21:4). As razões pelas quais não
haverá mais choro é que também “não
haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor.” Se ainda houver dor em
algum lugar do cosmos, então, haverá motivo para lágrimas. Não apenas por parte
dos que forem condenados, mas também dos que com os tais se importarem.
Mas se formos submetidos a uma espécie de lobotomia,
e nossa memória for afetada, logo, não seremos quem realmente somos. Como
poderemos agradecer por havermos sido salvos, se nem ao menos nos lembrarmos de
quê fomos salvos? Como bendizê-lo se minha alma simplesmente se esquecer de
seus benefícios? Para lembrar-me de tais benefícios, terei que recordar de
todos quantos foram instrumentos de Deus para me abençoar, incluindo os que,
porventura, não houverem sido salvos. Não poderá haver lapsos de memória.
Ainda que os vínculos familiares se dissolvam na
eternidade, o amor que os nutriu não poderá apagar. Os que hoje gozam do status
de pais ou de filhos, na eternidade serão irmãos. Marido e mulher seguirão em
seus relacionamentos, não mais como cônjuges, mas irmãos.
O ponto em que almejo tocar é se o sofrimento
daqueles que nos são caros não poderia igualmente nos afetar. Se não, de que
maneira poderíamos desfrutar das bem-aventuranças prometidas aos
misericordiosos, se nem ao menos fôssemos capazes de nos compadecer deles? Se
sim, como conciliar a doutrina do sofrimento eterno no inferno com os prazeres
indizíveis que a presença imediata de Deus nos proporcionará?
Este dilema só se mantém de pé devido à concepção
que temos do inferno, que julgo equivocada. Muito do que temos ouvido acerca do
inferno não tem qualquer respaldo bíblico, mas é fruto do sincretismo entre a
fé cristã e o paganismo. É lamentável constatar a ignorância que boa parte do
povo evangélico demonstra sobre o assunto. Basta assistir aos testemunhos de
quem afirma ter visitado o inferno e se deparado com caldeirões onde pessoas
eram cozinhadas vivas, com diabos portando tridentes, enormes chifres, rabo
pontiagudo, e expelindo enxofre, incumbido de torturar os condenados. Não é
preciso conhecer profundamente a teologia cristã para perceber que tudo isso
não passa de mitologia grotesca. Tem mais a ver com Dante e Milton do que com a
Bíblia.
Dante Alighieri, escritor e poeta italiano que viveu
entre 1265 e 1321, foi responsável por disseminar as fantasias acerca do
inferno que hoje povoam o imaginário popular. Em sua obra “Divina Comédia”,
Dante descreve o inferno de acordo com a concepção medieval, formado por nove
círculos, três vales, dez fossos e quatro esferas. O inferno se tornaria mais
profundo a cada círculo, de acordo com a gravidade dos pecados cometidos pelos
que para lá fossem enviados. O adjetivo “dantesco”, sinônimo de horripilante,
terrível, macabro, advém da descrição dos horrores perpetrados pelos demônios nos
condenados à pena eterna. A parte de sua obra dedicada a descrever o infortúnio
dos réprobos tornou-se conhecida como “O inferno de Dante”. Para o poeta
italiano, o Diabo é o rei do inferno, bem como o anfitrião e algoz das almas
que para lá vão.
Outro
escritor que ajudou a disseminar a concepção que se tem hoje do inferno foi
John Milton (1608-1674), autor do clássico “Paraíso Perdido”. Foi ele quem
colocou nos lábios de Satanás a frase “é melhor reinar no inferno que servir no
céu”, que se tornou célebre nos lábios de Al Pacino no filme “O Advogado do
Diabo”.
Nem
Dante, nem Milton, tão pouco Mary Baxter com sua “Divina Revelação do Inferno”
poderão nos oferecer uma visão equilibrada acerca do assunto. Para termos um
vislumbre do verdadeiro inferno, teremos que deixar nossos pressupostos de lado
e mergulhar nas límpidas águas das Escrituras.
Há
diversos vocábulos, tanto do hebraico, quanto do grego, que são traduzidos em
nosso idioma como “inferno”. Porém, cada um deles encerra um significado
distinto. Não são sinônimos. A primeira delas é Sheol, que em hebraico
significa “sepultura” e aparece 62 vezes no Antigo Testamento. Sheol jamais
sugeriu a ideia de um lugar de suplício ou de punição para os mortos. Esta
ideia só surge a partir do Novo Testamento. Sheol é o destino do qual
compartilha todos os seres humanos, independente de crença. A única certeza que
se tem na vida é a morte. E deveríamos encarar isso com a maior naturalidade.
Imagine se todos fôssemos Highlanders
condenados a viver para sempre? A terra não poderia suportar tanta gente. A
menos que ninguém mais nascesse. Caso contrário, haveria uma explosão
populacional que esgotaria rapidamente os recursos do planeta. O escritor de
Eclesiastes afirma que é necessário que uma geração vá para que outra geração
venha e assim, a terra permaneça para sempre (Ecl.1:4).
A
segunda palavra é Hades, encontrada dez vezes no Novo Testamento e que, às
vezes, é usada por seus escritores como tradução de Sheol. Entretanto, trata-se de conceitos um tanto
quanto diferentes. Para os gregos, o Hades não era apenas a sepultura, mas o
submundo, a região onde os mortos eram confinados. A sepultura seria apenas a
porta de acesso ao Hades.
Um
exemplo do intercâmbio entre as palavras Sheol e Hades é encontrado na tradução
do Salmo 16:10, onde Davi diz: “Pois não
deixarás a minha alma no inferno (Sheol=sepultura),
nem permitirás que o teu Santo veja
corrupção”. Pedro toma esta passagem profética e a aplica a Jesus em seu
primeiro sermão que fora registrado por Lucas em grego: “Pois não deixarás a minha alma no inferno (Hades=região dos mortos), nem
permitirás que o teu Santo veja a corrupção” (At.2:27).
O
uso do vocábulo grego Hades em substituição ao hebraico Sheol ocorre por conta
da proximidade entre os conceitos, ainda que os mesmos tenham escopos
diferentes. O conceito de Hades é bem mais elaborado e sofisticado do que o de
Sheol. Enquanto o Sheol se limitava aos sete palmos da sepultura onde o corpo
era depositado, o Hades era amplo o suficiente para receber todos os homens,
sendo dividido em duas partes: os Campos Elíseos, destinados aos bons, aos
justos, aos vitoriosos; e o Tártaro, para onde iriam os maus e injustos.
Os
judeus contemporâneos de Jesus estavam bem familiarizados com tais conceitos
devido ao processo conhecido como helenização em que a cultura grega foi
disseminada mundo afora. Talvez o verso vetero-testamentário que tenha
servido de ponte entre os dois conceitos seja o que diz que “o Sheol aumenta o seu apetite, e abre a sua
boca desmesuradamente; para lá descerá a glória deles, a sua multidão, a sua
pompa e os que entre eles folgam” (Is.5:14). Portanto, o Sheol seria bem
mais que uma sepultura individual, mas o destino comum a todos os homens.
Na
parábola de Lázaro, Jesus faz uso deliberado destas categorias “gregas”, porém,
adaptando-as a uma visão mais judaica. Os Campos Elíseos seriam para os judeus
o equivalente ao Seio de Abraão, para onde foi Lázaro. O rico da parábola foi
para o que seria o Tártaro grego. Tanto o Seio de Abraão, quanto o lugar de tormento
para onde foi o rico se situavam no Hades, o submundo dos mortos. O Seio de
Abraão não é o paraíso, tampouco o céu, mas um lugar reservado para os
descendentes de Abraão dentro do próprio Hades. Digamos que, um ‘inferno’ com
ar-condicionado. Há, entretanto, algumas diferenças entre o Hades grego do
Hades judeu. Por exemplo: para os gregos, o que separava os Campos Elíseos do
Tártaro era um muro. Para os judeus, o que separava o Seio de Abraão do resto
do Hades era um abismo intransponível. Foi, deveras, corajoso de parte de Jesus
lançar mão dessas categorias para passar uma mensagem aos seus ouvintes.
O Dossiê-Inferno continuará ao longo da semana. Não deixe de acompanhar o desenrolar desta reflexão e compartilhe-a com os seus amigos. Ainda que não concorde com nosso posicionamento, certamente lhe possibilitará enxergar a questão sob novos ângulos.
Aí a pessoa dorme querendo ler mais...
ResponderExcluirComo sempre analisando a questão do frágil ponto de vista humano. Sentimentalismo humano versus palavra de Deus! Daqui a pouco vão falar que no final das contas Deus vai salvar todo mundo, até o diabo! Eita Hermes, cada mais se desviando da verdade, cada vez mais comprometido com estranhas agendas!!! Cuidado!
ResponderExcluirUé, ele usou a palavra de Deus. Queria ver uma contra argumentação sua na perspectiva da Bíblia.
ExcluirA realidade é dura! Jesus declarou que sua mãe e seus irmãos eram todos aqueles que faziam a vontade do Pai. O mesmo se aplica a nós. Infelizmente, se nossos pais, irmãos, primos, tios, tias não estiverem alinhados com a vontade do Pai, eles não pertencem a nós com esses graus de parentesco. Acaba somente os da fé sendo os verdadeiros, aqueles que compartilham do mesmo sangue do Cordeiro. Não ficaremos infelizes com aqueles que irão para o lago de fogo, pois entenderemos realmente a justiça de Deus. Quem está no inferno não é coitadinho, pelo contrário, está num lugar que foi preparado para o diabo e seus anjos (que tipo de pessoa não estará lá?!). No inferno não existe arrependimento, pelo contrário, quem pra lá vai nunca se arrependerá. Veja a parábola do rico e Lazaro. O rico pede de tudo para aliviar sua dor no inferno, mas em nenhum momento fala em arrependimento!
ResponderExcluirMas aí você conprova a tese dele. NINGUÉM É COITADINHO, somos todos pecadores justificados, lembra? E nesse exemplo que você citou, se o homem rico quiser se arrepender, ele sai do inferno?
Excluircomo sempre arrebentando mostrando quem é Deus ele não tem amor ele é amor eternamente amem.
ResponderExcluir"Chamem-me de sentimentalista, se quiserem. Mas é inadmissível que aqueles em que se deve encontrar “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” sintam-se confortáveis ante a realidade do inferno."
ResponderExcluirTambém não me sinto confortável comk pessoas sendo aniquiladas!!!
Também não me sinto nem um pouco a vontade com o inferno
ExcluirVocê não entra no reino de Deus porque tem medo de ir para o inferno. Você entra porque aprendeu a amar seu próximo como a ti mesmo
ResponderExcluirEita pastor,assim alguns(maioria) evangélicos vão ficar tristes, pois o seu maior prazer não é servir a Jesus, e sim mandar os outros para o inferno.
ResponderExcluirA GRAÇA NOS ALCANÇOU INCONDICIONALMENTE !
ResponderExcluirParabéns. É bom saber que ainda há vente sensata pensando! Excelente artigo!
ResponderExcluirPastor eu fiquei com uma dúvida, gostaria de saber sua opinião, na passagem do Rico e Lázaro Jesus descrevia a realidade da estrutura do mundo após a morte ou utilizava uma ilustração comum ao imaginário helenístico da época?
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