Fábulas. Quem não as ouviu quando criança? Quem nunca
adormeceu enquanto sua mãe as contava? Elas servem para entreter e estimular a
imaginação das crianças. Pelo menos, a intenção de quem as conta
geralmente é esta. O problema começa
quando o indivíduo chega à vida adulta insistindo em viver num mundo de fantasia
parecido com o dos contos de fada.
O apóstolo Paulo diz que haveria tempo em que as pessoas
já não suportariam a sã doutrina, isto é, a verdade por si só, e como quem tem
comichão nos ouvidos, se cercariam de mestres prontos a alimentar suas
fantasias. “E desviarão os ouvidos da verdade, voltando-se às fábulas” (2
Tm.4:3-4).
Uma dose de fantasia é sempre bem-vinda, pois amortece o
impacto produzido pela realidade em nossa alma. Todavia, pessoas em posse de
suas faculdades mentais sabem diferenciar entre fantasia e realidade. Somente
os psicóticos e esquizofrênicos não conseguem distingui-las.
Não desprezemos o poder alucinógeno que tem as fábulas. Na
pior das hipóteses, elas são capazes de provocar delírios e alucinações, alienando-nos da realidade.
Quando os poderosos perceberam o potencial entorpecedor das fábulas, trataram de
adotá-las como instrumento de dominação.
Mesmo as verdades do Evangelho podem ser de tal maneira
pervertidas que acabem se tornando em fábulas e se pondo à serviço dos poderosos.
Sabendo que os riscos eram reais e que o dia de sua partida
se aproximava, Pedro escreveu:
“Mas também eu procurarei em toda a ocasião que depois da minha morte
tenhais lembrança destas coisas. Porque não vos fizemos saber a virtude e a
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas;
mas nós mesmos vimos a sua majestade.” 2 Pedro 1:15-16
Como diferenciar o Jesus do Evangelho e o Gezuis das
fábulas, o Cristo real e o Cristo genérico?
Se as fábulas se tornaram num recurso retórico para o
entorpecimento e adestramento da população, as parábolas eram o recurso
predileto de Jesus para despertar e chamar as pessoas de volta à
realidade. Tanto as fábulas quanto as
parábolas são estórias fictícias, porém, têm elementos, desdobramentos e
objetivos bem diferentes. Se as fábulas pervertem, as parábolas subvertem.
Vejamos os elementos comuns às fábulas e que as diferenciam
das parábolas contadas por Jesus.
O cenário das fábulas é sempre
um lugar bem distante e extraordinário, um reino mágico, uma floresta
encantada, um país das maravilhas. Assim, o ouvinte é arrebatado, deixando sua
dura realidade para explorar lugares só acessíveis à imaginação. Já as parábolas
contadas por Jesus tinham como cenário o chão da vida, o cotidiano das pessoas,
o dia-a-dia de gente comum.
Toda fábula tem um
herói. Geralmente, um príncipe encantado. Alguém que salva a mocinha indefesa
das garras do dragão ou da rainha má. Ele não vem das classes humildes. Não é
um trabalhador braçal. É um membro da realeza. Um bravo e valente príncipe. Não
é à toa que nosso povo, adestrado pelas fábulas, nutre a expectativa de que um
dia alguém virá em sua defesa. Trata-se de um messianismo falso, alimentado por
uma esperança fantasiosa. Foi esta esperança que colocou Collor no poder. O
caçador de marajás parecia a resposta aos nossos mais profundos anseios por
justiça. Deu no que deu...
As parábolas de
Jesus não tem mocinhos nem bandidos. Não há lugar para heróis. Nelas a
ambiguidade de nossa humanidade é exposta. Nossos preconceitos são postos à
prova. De quem se espera socorro, recebe-se indiferença. E quem deveria ser
vilão, inusitadamente se comporta com altruísmo e compaixão. A mocinha indefesa
da fábula se transforma no povo chamado a ser protagonista de sua própria
história em vez de ficar aguardando passivamente o beijo do príncipe.
Não há maçãs
enfeitiçadas nas parábolas. Não há nada de que os poderosos nos convençam que
não possamos tocar, nem mesmo nos aproximar. Paulo denuncia este instrumento de
dominação:
“Tendo cuidado para que ninguém vos faça presa
sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens
(...) Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos
anjos, envolvendo-se em coisas que não viu (...) Se, pois, estais mortos com
Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de
ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os
preceitos e doutrinas dos homens; As
quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária,
humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a
satisfação da carne.” Colossenses 2:8,18,20-23
Os poderosos usam e abusam da ignorância das pessoas para
manipulá-las a seu bel-prazer. Foi assim que os senhores de engenho convenceram
os escravos a não comerem as mangas, produto recém-chegado ao Brasil e que
prometia trazer muitos lucros. Alegavam que comer manga e beber leite podia
levar à morte. Séculos depois, ainda damos crédito a esta fábula ridícula sem
qualquer embasamento científico.
Igualmente, há um evangelho que alimenta superstições,
levando as pessoas a evitarem certos ambientes e comportamentos, não por
consciência, mas por medo de serem ‘enfeitiçadas’ ou de darem ‘legalidade’ ao
maligno. De fato, só a verdade liberta. A mentira amordaça e idiotiza.
Toda fábula esboça uma moral. Aquela que serve aos
interesses das classes dominantes. “Qual é mesmo a moral da estória?” é a
pergunta que paira no ar. Já as parábolas de Jesus demonstram
preocupação com questões éticas que seguem pertinentes independentemente da
época, da cultura e do lugar.
Algumas parábolas parecem pegadinhas que visam expor nosso
senso de moral contraditório.
Não importa qual seja o enredo, todas as fábulas têm final
feliz. O que começa invariavelmente com “era uma vez”, termina com “e foram
felizes para sempre”. Quem não gostaria que fosse assim na vida real?As parábolas de Jesus rompem com este clichê. Algumas nem
sequer parecem terminar. As estórias contadas por Jesus não terminam com final
feliz, simplesmente porque elas não terminam. A trama humana segue em aberto. A
vida segue seu ritmo. Há espaço para contingências e eventualidades. Fábulas
falam de certezas. Parábolas falam de surpresas.
Quando parecia que Jesus ia dar o arremate da estória, ele
introduz uma situação inusitada.
Se uma fábula como a da Branca de Neve fosse uma parábola,
ela não teria o desfecho que teve. Depois do beijo que quebrou o feitiço da
maçã que lhe fora ofertada pela rainha má, a Branca de Neve se casaria, teria
filhos, e viveria muitas outras coisas, nem todas tão felizes. Ninguém fica
feliz para sempre. Um casamento, por mais maravilhoso que seja, um dia termina,
seja pelo divórcio ou pela morte. Haverá dias de sol, mas também dias nublados. Haverá risos, mas também lágrimas em abundância.
De acordo com as fábulas, o objetivo da vida humana é a sua
própria felicidade. As parábolas nos sugerem outros objetivos: o bem comum e a
glória para Deus.
Enquanto as fábulas nos apresentam um mundo de fantasia, as
parábolas revelam como deve funcionar o mundo sob os princípios que regem o
reino de Deus.
Depois de terem ouvido Jesus contar inúmeras parábolas, sem conter a curiosidade, os discípulos o cercaram e perguntaram: “Por que lhes falas
por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os
mistérios do reino dos céus (...) bem-aventurados
os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Porque em
verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e
não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram ” (Mateus 13:10,16-17).
A noção que muitos
têm do reino de Deus tem mais a ver com as fábulas do que com as parábolas de
Jesus. Imaginam um reino num lugar mui, mui, mui distante, para além do sol e
das estrelas. Ou, quem sabe, numa dimensão paralela. Para estes, o reino ainda
não veio. Foi ofertado por Jesus durante Seu ministério terreno, porém, teve
que ser adiado. Todavia, um dia ele virá de maneira estrondosa, com direitos a
efeitos especiais dignos de um filme de Steven Spielberg. Nada mais distante da
verdade do que isso.
Em uma de Suas parábolas, Jesus diz que “o
reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele,
semeou no seu campo; o qual é, realmente, a menor de
todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore,
de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos” (Mt.13:31-32). Portanto, o reino não vem com
aparência majestosa. Uma de suas principais características é a discrição. Na
parábola seguinte, Ele compara o reino de Deus “ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de
farinha, até que tudo esteja levedado” (Mt.13:33). Portanto, o reino não se manifesta de maneira espetaculosa, mas vai se infiltrando sorrateiramente nas estruturas erigidas pelo gênio humano.
Preferimos confundir a realidade do
reino de Deus com o que seria um mundo ideal, onde as coisas sempre começassem
e terminassem bem, sem choro, nem sofrimento ou morte.
O ideal do reino, porém, está mais para
utopia do que para fantasia. Utopia é aquilo que nos move na direção do
horizonte, ainda que a cada passo que dermos, o horizonte pareça se distanciar.
Sonhamos com um mundo onde impere a justiça, a verdade e o amor. Um mundo sem
guerras, pestes, exploração e violência. Todavia, este mundo com que sonhamos
não deve ser esperado, mas perseguido. Ele não está em algum outro lugar. Ele está no futuro. Em vez de aguardarmos uma intervenção
divina, devemos arregaçar as mangas e trabalhar como instrumentos usados por
Deus na edificação do Seu reino na terra. A intervenção divina já aconteceu no momento que nos foi enviado o Seu único Filho, e posteriormente o Seu Espírito para nos habilitar ao cumprimento do Seu propósito. O futuro, portanto, precisa ser construído, ainda que, do ponto de vista de Deus ele já seja real.
A fantasia produz letargia. A utopia
nos impulsiona a caminhar. A fantasia nos anestesia. A utopia nos dá um choque
de realidade, sem, contudo, permitir que nos conformemos a ela.
Dentre as várias parábolas
registradas nos evangelhos sinóticos, as duas mais conhecidas são, sem dúvida,
a do filho pródigo e a do bom samaritano.
Proponho aqui um exercício de
imaginação para revermos estas parábolas em camadas.
Na parábola primeira, o filho mais
novo pede ao pai que lhe dê sua parte na herança. O pai, por ser justo, resolve
repartir a herança entre ele e seu irmão mais velho. O caçula deixa sua casa e
gasta tudo o que recebera com orgias e jogatina. Sem dinheiro, humilhado e
tendo que trabalhar cuidando de porcos, cai em si e resolve voltar para a casa
do pai e pedir-lhe uma chance. Surpreendentemente, o pai não apenas o recebe,
mas promove uma festa para recepcioná-lo. O filho mais velho, enciumado,
recusa-se a participar da festa.
Se vivêssemos num mundo ideal, o
irmão mais velho celebraria a volta do irmão, certo? Mas, espera aí... num
mundo ideal, seu irmão jamais teria gastado tudo com mulheres e farra. Ou ainda:
num mundo ideal, ele nem mesmo teria abandonado o seu pai àquela altura da
vida. A propósito, por que o mais velho não se manifestou quando o caçula
requereu sua parte na herança? Talvez, por ter percebido que ele também seria
beneficiado, recebendo sua parte na herança. Num mundo ideal, ele chamaria seu
irmão para conversar e o dissuadiria daquela loucura. Porém, o fato é que não
vivemos num mundo ideal, tampouco num mundo de fantasias. No mundo real, filhos
torram o que custou aos pais uma vida inteira de trabalho árduo. No mundo real,
irmãos sentem inveja entre si por se acharem preteridos por seus pais. Onde o
reino de Deus entra nisso tudo? Como um reino real e justo opera num mundo real
e injusto?
Já que o filho mais novo requereu sua
parte... Que o pai reparta com equidade entre ambos os filhos. Já que o pródigo
perdeu tudo... Que ele caia em si, se arrependa de sua loucura e tome o rumo da
casa do pai. Já que filho rebelde retornou arrependido... Que o pai lhe dê uma
festa de recepção. Já que o filho mais velho se recusa a celebrar a volta do
irmão... Que o pai vá ao seu encontro e o convença de entrar na festa. Se fosse
uma fábula, a estória teria terminado com o irmão mais velho dançando ao lado do
resto da família, abraçado ao pai e ao seu irmão pródigo, e, assim, foram
felizes para sempre. Em vez disso, a estória termina com o pai argumento com
seu primogênito. O que ele teria feito, então? Jamais saberemos. Todavia,
podemos saber o que nós mesmos faremos numa situação que demande uma postura
semelhante.
Na segunda parábola, um homem é
assaltado e deixado semimorto à beira da estrada. Vem um sacerdote e finge não
ver. Vem um levita e faz o mesmo. Até que surge um samaritano, e para surpresa
de todos, não só lhe presta os primeiros socorros, como também o coloca em sua
cavalgadura, leva-o para uma hospedaria, paga a conta do seu tratamento e pede
que o dono não economize, caso seja necessário. Na volta, ele passaria por lá e
acertaria a conta.
Num mundo ideal, o sacerdote e o
levita jamais se recusariam a socorrer àquele moribundo. Num mundo ideal, os
ouvintes de Jesus jamais teriam ficado surpresos com a atenção dispensada por
um samaritano a um judeu naquelas condições. Não haveria preconceito num mundo
ideal. Num mundo ideal, aquele homem nem sequer teria sido assaltado. Num mundo
ideal, certamente não haveria assaltantes nas estradas. Mas, definitivamente,
este não é um mundo ideal. Coisas ruins acontecem a qualquer um. Nem mesmo os
justos estão imunes a isso.
Então... já que há assaltantes na
estrada, bom seria que aquele homem não viajasse sozinho. Mas, já que viajava
só e foi assaltado... Que quem quer que passe por ali, sem importar sua posição
social ou seu credo religioso, pare para prestar-lhe socorro. Já que o
sacerdote e o levita se recusaram a parar... Que entre em cena aquelaeque
passou a vida inteira sendo alvo de bullying
e chacotas por parte dos judeus, e preste o devido socorro àquela vítima sem
perguntar-lhe nada.
Num mundo ideal não haveria aborto. Mas
já que meninas são estupradas e no momento do desespero acabam optando pelo
aborto... Que haja quem as acolha, sem condená-las. Que seu sofrimento seja atenuado.
Num mundo ideal não haveria divórcio.
Mas no mundo real, há. Então, que nos habilitemos a acolher os que foram
machucados por este tão dolorido processo, sem julgá-los ou discriminá-los.
Num mundo ideal todos sentiríamos atração
por pessoas do outro sexo, e assim, não veríamos casais formados por indivíduos
do mesmo gênero. Porém, no mundo real as coisas nem sempre são assim. Há mais
homossexuais do que imaginamos, inclusive dentro das igrejas. Boa parte deles
prefere manter-se no armário para não sofrer discriminação. Então, deixemos de
lado nossos preconceitos idiotas e tratemos de acolhê-los com amor.
Num mundo ideal não há drogas. No
real, há. Logo, qual deve ser nossa postura ante tão sério e crônico problema
social?
Num mundo ideal não há cadeias superlotadas, nem mesmo criminosos para serem presos. Já que isso é coisa do mundo real, então, vamos visitá-los.
Num mundo ideal há acontecem tragédias naturais. Em nosso mundo, sim. O que é que estamos fazendo de braços cruzados? Saiamos ao encontro de suas vítimas, solidarizando-nos com a sua dor.
Num mundo ideal não há fome. No real,
sim. Então, repartamos o nosso pão com os que nada têm. Deixemos de apontar o dedo
acusador e estendamos as mãos, as mesmas que usualmente levantamos ao céu em
adoração a Deus.
Enquanto a vida acontece lá fora, a bela igreja segue adormecida...
Enquanto a vida acontece lá fora, a bela igreja segue adormecida...
O reino de Deus , é Poder graça e desejo de servir a Deus com alegria pregando e vivendo fielmente a sua Santa Palavra de salvação e vida eterna.
ResponderExcluirO reino da fantasia, é o que o mundo oferece os seus prazeres carnais para os idiotas cristãos mornos na fé, que estão degustando dos prazeres ilusórios do mundo, para pegar o seu passaporte para o inferno.
Sejais santo porque eu sou Santo assim disse Jesus Cristo
Santificai-vós assim diz Jesus Cristo.
Sem santificação ninguém verá o Senhor da Glória.
Reino da fantasia, lugar onde milhares de "cristãos" estão atolados com viseira de burro, principalmente em igrejas evangélicas que é a Verdadeira ilha da fantasia.
Assim diz a Palavra de Deus: Satanás vira como anjo de luz, e poderá enganar até mesmo os próprios escolhidos.
Saim desta ilha da fantasia que vc vive, e da outra ilha da fantasia que se chama igrejas "evangélicas, em vc e outros, são comparsa de das más obras do mundo e seus prazeres, que está dentro dela no meio de "cristãos".
Hermes, belo e importante texto. Que Deus o abençoe.
ResponderExcluirEntão , que paradoxo! Ensinamentos de Jesus como " ame o teu inimigo" para alguns é fantasia , utopia ...! E é real!!!
ResponderExcluirQue belíssimo e edificante artigo! Estou impactado com abordado desse tema que não faltou nada completo rico em detalhes, podemos observar o quanto zelo nas palavras frases, o titulo muito bem elaborado e convidativo a fazer boa leitura .
ResponderExcluirEsse é o sem duvidas um dos melhores blogs que conheço e leio pois o mesmo nos faz desejar parar o dia todos lendo e lendo e nem da vontade de ir embora só aqui ficar. Muito obrigado por ser bênçãos em nossas vidas através dos seus estudo e artigos eu louvo a Deus por sua vida e vou inserido nas minhas orações amem!
https://ministerioaliancas.blogspot.com
Parabéns pelo belo trabalho. Abraço.
Excluirhttp://pastorcleber.blogspot.com.br/
Excelente!
ResponderExcluir