Por Hermes C. Fernandes
Como atribuímos valor a
algo? Que critérios usamos? Por que algo que tem valor incomensurável para um,
não tem valor algum para outro?
Recentemente assistia a um
programa no History Channel chamado “Trato feito” apresentado pelos donos de
uma loja que compra e vende antiguidades. Alguns itens que lhe foram oferecidos
me chamaram muita atenção. Dentre eles, um exemplar antigo do livro “Drácula” de
1897 (se não me falha a memória, da primeira edição) assinado por Bram Stoker,
o homem responsável pelo mito moderno dos vampiros. O livro com a capa puída,
as páginas amarelas (algumas comidas por traças), foi vendido por milhares de
dólares pelo simples fato de ter a assinatura do autor. Um exemplar adquirido
em qualquer livraria talvez saísse por menos de trinta reais. O que levaria
alguém a pagar dez mil dólares por um livro velho soltando páginas? Vai
entender...
Outro veio com um relógio
de bolso que teria sido de Abraham Lincoln, o mais popular presidente dos EUA.
Depois de atestada a veracidade da peça, ofereceram-lhe duzentos e cinquenta
mil dólares. Quando o especialista lhe disse que seria possível conseguir até um
milhão de dólares num leilão, o dono da peça agradeceu a oferta e partiu,
esperançoso de vendê-la por quatro vezes o que lhe estava sendo oferecido. Tudo
isso porque aquele relógio um dia esteve no bolso e na mão de um herói nacional
americano.
Um caso muito interessante
foi o de um rapaz que trouxe uma bandeja e uma cumbuca de prata que teriam sido
roubados por seu avô da casa de veraneio de Hitler. Os itens traziam seu nome e
a suástica, símbolo do partido nazista. De acordo com ele, seu avô teria sido soldado na segunda guerra
mundial e durante a tomada da Alemanha pelos aliados, aproveitara para
furtar a prataria pertencente ao Führer. Depois de ouvir que seu avô era um
herói, achou que conseguiria uma ótima oferta pelos itens, mas ficou
desapontado quando os apresentadores do programa se recusaram a comprá-los por estarem vinculados a um dos mais terríveis capítulos da
história.
O último caso que me
chamou atenção foi de uma mulher que queria vender uma boneca estilo Barbie vestida de
enfermeira. Examinada por um especialista em brinquedos antigos, a boneca
pertencia a uma linha de brinquedos para meninos lançada em 1964. Como era
época de guerra, a fábrica de brinquedos lançou vários bonecos de soldados (ao
estilo do Falcon, alguém se lembra?), dentre eles uma boneca enfermeira. Como
se tratava de uma boneca, os meninos se recusaram a comprar e ela acabou
empoeirada nas prateleiras das lojas de brinquedo. As meninas também não se
interessaram porque a boneca era de uma linha de brinquedos de menino. Quase
cinquenta anos depois, essa mesma boneca se tornou uma raridade disputada por
colecionadores. A mulher conseguiu vendê-la por dois mil e quinhentos dólares.
Ao sair da loja de antiguidades, o repórter perguntou se estava satisfeita com
o negócio e ela respondeu: - Claro! Comprei-a por 50 e vendi por 2.500!
Usei estes quatro exemplos
para buscar uma resposta à minha pergunta: como atribuímos valor a algo?
Penso
que Jesus nos oferece uma resposta consistente em duas de suas parábolas:
"O Reino dos céus é como um tesouro escondido num campo. Certo homem, tendo-o encontrado, escondeu-o de novo e, então, cheio de alegria, foi, vendeu tudo o que tinha e comprou aquele campo.O Reino dos céus também é como um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo o que tinha e a comprou". Mateus 13:44-46
A
maior parte das parábolas contadas por Jesus tinha o objetivo de explicar o que
era e como funcionava o reino de Deus. Diferente dos reinos deste mundo, o
reino de Deus não pode ser localizado geograficamente. Ninguém pode apontá-lo
num mapa. Ele
é, por assim dizer, uma escala de valores proporcionalmente inversa àquela tão
cara ao mundo. Ao nos convertermos somos introduzidos neste reino de modo que muito
daquilo que antes tanto valorizávamos, já não representa coisa alguma para nós,
enquanto o que antes desprezávamos, passa a ser aquilo a que mais atribuímos valor.
Daí
a importância de passar pelo o que Jesus chamou de “novo nascimento”. Sem que
sejamos regenerados (gerados novamente), nossos olhos não podem vislumbrar o
reino de Deus, e consequentemente, não estamos aptos a integrá-lo.
As
réguas pelas quais o mundo afere todas as coisas são a posse, o prestígio, o poder e o prazer.
Algo só tem valor se nos proporciona uma dessas coisas. Já no reino de Deus, em contrapartida, valoriza-se o desapego, a humildade e o serviço, valores antagônicos àqueles.
Em vez de perguntarmos que benefício aquilo nos proporcionará, perguntamos que
bem aquilo resultará e quantos dele se beneficiarão.
Segundo
Jesus, o reino de Deus é semelhante a um tesouro escondido num campo. O que é
um tesouro, afinal? Pode ser o que alguém com muito sacrifício amealhou durante
toda a vida. Para aquele que o achou, nada custou. Mas para aquele que o
escondeu ali, pode ter custado toda a sua vida. O que faz aquele homem que topou com ele
acidentalmente? Ele sabe que o campo tem dono. Mas provavelmente o dono
desconhece a existência do tesouro. Aproveitando-se disso, aquele homem vai,
vende tudo quanto tem e lhe faz uma oferta. Talvez o dono do campo tenha se
surpreendido com o valor oferecido. Ele jamais suporia que suas terras valessem
tanto. Mas o comprador sabe de algo que
ele desconhece. Ele compra o campo mas o que realmente interessa é o que nele
está escondido.
Aprendemos
com isso que não se pode avaliar nada superficialmente. Abaixo das sucessivas
camadas de poeira pode haver um tesouro. Por trás da aparência simples de uma
criança pode haver um extraordinário potencial ainda latente. Mas quem se
dispõe a cavar? No reino de Deus vale mais a vocação, isto é, aquilo a que se
destina algo/alguém do que sua situação atual.
Aquele
homem vende tudo o que tem para adquirir o campo. O valor que atribuímos a algo
é proporcional àquilo de que estamos dispostos a abrir mão para adquiri-lo.
Na
segunda parábola, Jesus diz que o reino de Deus é como um negociante que
procura e acha uma pérola de grande valor. Ele faz exatamente como o da
primeira parábola: vende tudo o que tem para adquiri-la.
Como alguém poderia dispor de toda uma vida por um único objeto? Ora, aquele homem já negociava pérolas. Aquela era a sua profissão. O que ele teria visto naquela pérola em particular que valeria toda uma vida de trabalho?
Na época, a cobiça
pelas pérolas era tão grande que os registros históricos mostram que no apogeu
do império Romano, o general Vitellius financiou
um exército inteiro vendendo apenas um dos brincos de pérola de sua mãe. Todavia,
Jesus usa o artigo definido para referir-se a tal pérola. Portanto, não se
tratava de uma pérola comum, o que já seria sobremodo valiosa. Embora Jesus não
especifique, acredito que se tratava de uma pérola negra, a mais rara dentre as
pérolas.
Valorizamos
algo de acordo com sua indisponibilidade. Quanto mais raro, maior valor lhe
atribuiremos. Vale aqui a lei da oferta e da procura.
Uma
pérola negra não é mais bela que uma pérola comum. Até seu brilho é inferior. No
entanto, pérolas negras são raríssimas. Somente uma espécie de ostra encontrada no Taiti chamada pinctada margaritifera
é capaz de produzi-la. Esta ostra possui uma listra negra em seu interior. Se a
pérola se formar em contato com a listra, a pérola resultante será negra.
Entretanto, mesmo entre essas ostras
isso é um fenômeno raro – acontece uma vez em cada 10 mil.
Pérolas
negras não são produzidas em série. Tudo quanto Deus faz é raro, é único, é
especial. As coisas de Deus não são comuns. A própria graça de Deus é um
fenômeno raro. Quantos bilhões de seres humanos já viveram neste planeta? Mas
quantos deles poderiam arcar com o alto preço de nossa salvação? Quantos seriam
aptos? Para tal teriam que ter vivido neste mundo sem ter praticado um único
pecado. Alguém se habilitaria? Não
foi à toa que João chorava desesperadamente em sua visão registrada em
Apocalipse, “porque ninguém fora achado
digno” (Ap.5:4a).
Jesus
é a nossa pérola negra, aquele que “não
tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para ele, nenhuma beleza víamos,
para que o desejássemos” (Is.53:2). Desprovido de beleza, porém, raro,
raríssimo, sui generis.
Se
considerarmos o livro de Cânticos e o relacionamento de Salomão e Sulamita como
uma alegoria do relacionamento entre nós e Cristo, faremos coro à resposta que
ela dá às suas amigas:
“Que
diferença há entre o seu amado e outro qualquer, ó você, das mulheres a mais
linda? Que diferença há entre o seu amado e outro qualquer, para você nos
obrigar a tal promessa? O meu
amado tem a pele bronzeada; ele se destaca entre dez mil.” Cânticos 5:9-10
Estatisticamente,
qual a probabilidade de surgirem na humanidade pessoas como Leonardo da Vinci, Mahatma
Gandhi, Albert Eistein, Siddarta Gautama, Maomé e outros? Ínfimas,
provavelmente. E qual a probabilidade de surgir alguém como Jesus Cristo, capaz
de reatar nossa comunhão com Deus? Absolutamente, zero!
Portanto,
tudo o que se refere a Ele é raro, raríssimo. Seu Reino é único. Sua graça é
ímpar. Quem não entendeu isso certamente não teve seus olhos desvendados ainda,
e, por isso, não pôde contemplar o esplendor do Seu reino, nem ter consciência
da inefabilidade de Sua graça.
Se
não percebermos o quão rara é a graça, não lhe atribuiremos o devido valor. Corremos
o risco de a confundirmos com uma graça barata, expressão cunhada pelo teólogo
alemão Bonhoeffer.
Apesar
de a salvação nos ser oferecida gratuitamente, ela custou muito caro a Ele, da mesma maneira que a produção de uma pérola custa muito caro à ostra. O único trabalho que o
negociante de pérolas tem é o de encontrar a ostra e abri-la. Devo admitir que
não é nada fácil abrir uma ostra hermeticamente fechada. E não adianta tentar quebrá-la.
Sua casca é duríssima. A melhor saída é esperar o momento em que a ostra se
abre por si só, revelando assim o seu conteúdo.
Jesus
diz que até os dias de João Batista o reino de Deus era tomado à força. Porém,
até ali, ninguém havia obtido êxito em apossar-se de tão preciosa pérola. Mas, chegada a plenitude dos tempos, a ostra se abriu e a pérola tornou-se
disponível aos homens.
Embora
seja exteriormente resistente, a ostra é interiormente muito sensível. Talvez
mais sensível que os olhos humanos. Se um cisco no olho é capaz de nos levar ao
desatino, imagine o que significa para a ostra quando seu interior é invadido
por um grão de areia. A dor é incalculável. Sua reação para tentar diminuir o
desconforto é cobrir o grão de areia com camadas de carbonato de cálcio. A
substância vai endurecendo até formar a pérola.
Pode-se
dizer que pérola é a cicatriz da ferida causada pelo grão de areia invasor.
Da
mesma maneira, para que o reino de Deus nos tornasse acessível, Jesus teve que
ser ferido. Isaías profetizou cerca de setecentos anos antes, que Ele seria “desprezado e o mais indigno entre os
homens; homem de dores e experimentado no sofrimento. Como um de quem os homens
escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum” (Is.53:3).
Jesus
recebeu em Seu corpo inocente feridas em todas as extremidades, nas mãos, nos
pés, na cabeça, nas costas e no tronco. As feridas deixaram de sangrar. Mas as
cicatrizes permanecem mesmo em Seu corpo glorificado. Elas são as testemunhas
do preço pago pela nossa redenção e admissão no reino de Deus. Não é por
coincidência que as doze portas de acesso à Nova Jerusalém, símbolo de sua igreja e do
seu reino, são representadas por doze pérolas (Ap.21:21).
Será
que temos atribuído o devido valor a esta graça? De que estaríamos dispostos a
abrir mão por ela? Quanto vale o que custou a vida do único inocente a ter
passado por esta terra? Pois o valor de Sua vida é proporcional ao valor da
salvação que nos é oferecida gratuitamente. Não valorizar isso é pisar o Filho
de Deus, profanar o sangue da aliança e insultar o Espírito da graça
(Hb.10:29).
Uau! Que texto maravilhoso! Louvo a Deus pela sua vida Pr. Hermes e fico muito feliz por poder desenvolver uma espiritualidade sadia com a ajuda de irmãos tão zelosos como vc. Abcs,
ResponderExcluirRafael Thiago
Uma bela perola esta inspiraçao do ESPIRITO SANTO para nossa alimentaçao espiritual. DEUS continue abençoando o irmao.
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