Porque o mundo não acabou conforme o previsto

Por Hermes C. Fernandes

Chegou o tão esperado dia 21 de dezembro, e o mundo não acabou. Pelo menos, não para a maioria de nós. Mas para alguns, ele já acabou faz tempo. Para aqueles que vivem numa espécie de limbo existencial, desprovidos de esperança. Tornaram-se zumbis. É nisso que nos tornamos quando perdemos a esperança. Só fazemos lamentar, lamentar e lamentar.

Jeremias se viu nesta situação. Tanto que dedicou um livro inteiro a descrevê-la.

No auge do desespero, ele desabafa:

“Fui privado de paz, esqueci-me do que seja a prosperidade. Então eu disse: Pereceu a minha força, como também a minha esperança no Senhor. Lembra-te da minha aflição e do meu pranto, do absinto e da amargura. Minha alma certamente se lembra, e se abate dentro em mim.” Lamentações 3:17-20

De repente, algo é deletado de nossas mentes. Todos os bons momentos que vivenciados são olvidados. Já não nos lembramos do sabor da felicidade. Só sobrou um gosto amargo na boca. A alma reage abatendo-se dentro de nós. Somos como tartarugas que se escondem dentro de seus cascos. Do lado de fora tudo é cinza. As cores da vida se desbotaram. Já não há razão para nos levantarmos da cama pela manhã. A vida perdeu seu poder sedutor sobre nós.

Inusitadamente, o profeta ensaia uma reação. Suas lamentações são abruptamente interrompidas para dar lugar a um lampejo de esperança:

 “Entretanto disto me recordo, e portanto tenho esperanças: As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, pois as suas misericórdias não têm fim. Novas são a cada manhã; grande é a tua fidelidade.” Lamentações 3:21-23

De quê ele se recorda, afinal? O que seria capaz de removê-lo de dentro do casco e devolvê-lo à vida? A resposta é: as misericórdias do Senhor.

Elas são a causa de não sermos consumidos. Consumidos pelo quê? Pela culpa, pelo desespero, pelo buraco negro que surge em nossa alma nos sugando as energias.

As misericórdias do Senhor nos puxam pra fora novamente, recobrando nosso vigor, restituindo-nos a esperança.

Os cinquenta tons de cinza são substituídos por uma paleta de cores saltitantes. Nosso paladar, antes amargo, passa a perceber o sabor agridoce da vida. Até nossa pele rejuvenesce. Os olhos exibem novamente o seu brilho original. Os sentidos se aguçam. Deixamos o limbo. Voltamos à vida. Somos devolvidos ao futuro. A esperança volta a ser o motor que nos impulsiona na direção do horizonte.

São estas mesmas misericórdias a razão do mundo não ter acabado ontem. E são elas mesmas a garantia de que todo este universo será preservado.

O mundo só acaba quando somos consumidos pelo desespero, assombrados pelos fantasmas do passado. Mágoas adormecidas são despertadas. Ressentimentos avivados. O ciclo se interrompe. A rotação da terra estaciona. O universo fica estático à espera do cataclismo. O caos engole a ordem e a harmonia.

Só há uma maneira de exorcizar tais fantasmas. Trazendo à memória o que nos remete à esperança: As entranháveis misericórdias do Senhor.

A partir daí, tudo o que nos aprisiona ao passado é desarraigado de nossa vida. A misericórdia deixa de ser apenas vertical (de cima pra baixo; de Deus para conosco), e passa a ser também horizontal (de nós para com os nossos semelhantes). Foi Jesus quem disse: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt.5:7).

Assim como a misericórdia de Deus é renovada em nossa vida a cada 24 horas, devemos igualmente renovar nossa misericórdia para com os nossos semelhantes com a mesma periodicidade. Por isso Paulo diz que não se pode permitir que o sol se ponha, sem que tenhamos perdoado nossos desafetos (Ef.4:26). Vinte e quatro horas são tempo suficiente para que uma mágoa crie raízes profundas. E quanto mais protelarmos em perdoar, mais profundas serão estas raízes. Quem disse que o tempo cura feridas? O único remédio eficiente para estancar o sangramento da alma é o perdão.

Reter perdão é como desejar que o mundo acabe para aquele que nos ofendeu. O ciclo do ódio precisa ser interrompido, antes que surja um novo dia. A mágoa está para alma o que o câncer está para o corpo. Não permita que ela faça metástase.

Se não quer que o mundo acabe amanhã, não adie o seu perdão. Nem espere que o ano termine para zerar sua quilometragem. Faça-o agora mesmo. Livre-se desta bagagem extra.

Enquanto houver amor, a terra não vai parar de girar. O sol não deixará de nascer. A vida continua... O amor nos blinda contra todo e qualquer apocalipse anunciado.