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quinta-feira, setembro 13, 2018

O CÉU DOS BURROS - Parte 2



Por Hermes C. Fernandes


O jumentinho que carregara Jesus mal havia chegado ao céu dos burros e já estava se ambientando. Seu novo amigo, a mula de Balaão, fez questão de introduzi-lo a outros jumentos.

Havia, porém, um que chamara sua atenção por estar tão quieto em seu canto.

- Quem seria aquele que parece tão tímido? – perguntou à mula.

- Você certamente deve ter ouvido falar dele também – respondeu.

- Se é tão conhecido, acho que deveria ser um pouco mais sociável, não?

- Ele tem suas razões. Gostaria de conhece-lo?

- Não sem antes saber de sua história. Se não se importar de me contar...

- Não me custa nada, meu rapaz. Ele é o jumento sobre o qual Absalão pretendia entrar em Jerusalém para tomar o trono de seu próprio pai.

- Você se refere a Davi, aquele de cuja linhagem viria o Messias?

- Exatamente.

- E o que levou Absalão a conspirar contra seu pai? Não me parece razoável, já que ele seria seu sucessor natural.

- Sim, mas ele umas ideias malucas e muita pressa. Sua cabeça estava a mil. Não soube esperar o tempo certo e acabou metendo os pés pelas mãos.

- Ora, se tinha tanta pressa, deveria ter encontrado outro animal para montar, não um jumento como nós – disse em tom jocoso.

- Verdade. Mas não foi só isso. Desde que seu pai o expulsou do palácio e o proibiu de voltar à cidade, ele deixou que seu coração fosse tomado de mágoa e de um forte desejo de vingança.

- Ele provavelmente deve ter aprontado alguma coisa muito séria para que seu pai agisse assim, não é verdade?

- Com certeza. Ele armou uma cilada para matar seu meio irmão que havia estuprado sua irmã. Por isso, seu pai entendeu que sua presença ali era uma ameaça aos demais. Mas depois de algum tempo, seu pai abriu o coração e o recebeu de volta.

- Ele deveria ser grato por isso em vez de planejar um golpe para derrubar o pai.

- Em vez disso, ele começou a impedir que as pessoas tivessem acesso ao pai, alegando que ele era um homem ocupado demais e se oferecendo para resolver seus problemas.  Aos poucos, ele foi ganhando o coração de todos, e de maneira sutil, os jogava contra o rei. Até que chegou o dia em que reuniu tanta gente que formou um exército e marchou em direção a cidade para tomar o trono.

- E onde entra o nosso colega na história?

- Você sabe... desde Davi, era esperado que os reis de Israel montassem jumentos em vez de cavalos como faziam os reis de outras nações. Isso representava humildade, despojamento. Deus queria que o povo os visse como um deles, e não como membros de uma classe superior.

- Sem querer você acaba de responder uma pergunta que sempre me fiz: Por que Jesus teria escolhido a mim, um animal de carga, para entrar em Jerusalém? Finalmente, agora entendo de maneira clara. E o que houve com Absalão e o nosso amigo burro?

- A rebelião teria que ser contida. Davi enviou seus homens mais leais para desbaratá-la, porém, pediu que se encontrassem a seu filho Absalão, tratassem-no com humanidade, poupando sua vida.

- E eles obedeceram?

- Sinto lhe informar que não. Durante a batalha, Absalão montou seu jumento e tentou fugir. Os homens de Davi o flagraram numa situação inusitada. Ao passar debaixo de um carvalho, as tranças de seus cabelos ficaram presas num dos ramos, enquanto seu jumento prosseguiu. Vendo-o preso, suspenso no ar, Joabe, o general do exército, o matou.

- Você não acha que nosso amigo deveria ter parado e esperado que Absalão se desvencilhasse, em vez de continuar a sua marcha sem ele?

- É justamente disso que muitos aqui o acusam. Por isso, ele prefere ficar isolado em seu canto. E para ser sincero, até hoje, eu pensava exatamente assim. Mas nosso papo anterior me fez mudar de ideia. Você me fez ver que cada um cumpre sua parte dentro do propósito divino. Você, por exemplo, prosseguiu carregando Jesus até a cidade onde seria crucificado. Eu, entretanto, empaquei ao ver o anjo do Senhor e assim, impedi que Balaão fosse  morto por sua espada. Acho que nosso amigo apenas cumpriu seu papel ao prosseguir, enquanto seu amo ficou dependurado, preso pelos cabelos entre os ramos da árvore.

- Interessante ver desta maneira. No seu caso, você parou juntamente com seu amo. No meu caso, eu prossegui juntamente com Jesus. Mas no caso dele, foi seu amo que parou enquanto ele prosseguiu.

- Acho até que ficar preso pelas tranças de seus cabelos pode representar tornar-se refém de seus próprios devaneios. Na sua cabecinha, tudo estava esquematizado. Seu plano parecia perfeito como suas tranças. Mas foi justamente isso que o paralisou. Ele tinha tanta pressa de chegar ao trono, que acabou paralisado.

- Mas o jumento seguiu seu caminho!

- Sim!  O que pode significar que os planos de Deus não dependem de nós. Se pararmos, ele prosseguirá. Nada coloca em risco a sua execução. Além do mais, não era Absalão que deveria ascender ao trono, mas aquele de quem viria o Messias.

- A quem você está se referindo agora?


- Ah, esta já é outra história... E envolve outro jumento que também pretendo lhe apresentar.

* Continua. 


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