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sexta-feira, fevereiro 09, 2018

SADOMASOQUISMO: Você já sentiu prazer na dor?



Por Hermes C. Fernandes

A prática sadomasoquista se popularizou nos últimos anos devido ao best-seller “Cinquenta Tons de Cinza”, romance erótico de autoria da inglesa Erika Leonard James, que graças ao seu estrondoso sucesso, lotou as salas de exibição em sua versão cinematográfica. O primeiro livro da trilogia que é fenômeno entre as mulheres vendeu mais de dez milhões de exemplares nas seis primeiras semanas. Sem dúvida, um dos maiores fenômenos literários das últimas décadas, alavancando como nunca a venda de produtos sadomasoquistas nos sex-shops que se proliferam mundo afora.

O romance tem como personagem principal uma jovem de 21 anos chamada Anastasia Steele. Após entrevistar Christian Grey para o jornal da universidade, passa a ter um relacionamento nada convencional com o magnata. Em meio ao luxo, ele a introduz num mundo sádico, intentando torna-la sua submissa sexual. Em vez do colorido comum aos romances literários, eles se envolvem numa relação em que o sexo casual e sádico se revela em tons envolventes.

O sadomasoquismo[1] é a prática sexual em que o prazer é buscado por meio da dor. Envolve sadismo e masoquismo. O sádico ou sadista é o que tem prazer em provocar dor, sofrimento físico ou moral no parceiro sexual. O masoquista é o que tem prazer em sofrer essa dor. E há pessoas que têm prazer em ambas as práticas, isto é, tanto em sentir dor, quanto em provoca-la.

Os termos “sádico” e “masoquista” foram criados pelo psiquiatra austríaco Richard Freiherr von Krafft-Ebing no livro ‘Psychopathia Sexualis’ publicado em 1886. Atualmente, o termo BDSM é mais usado para definir o sadomasoquismo, sendo a sigla de Bondage [2], Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo.

Durante a relação sexual entre sadomasoquistas, o cortisol (hormônio relacionado ao estresse) dos submissos cai significativamente, de modo que a sensação de dor se torna em prazer. Além disso, a dopamina (neurotransmissor relacionado ao prazer) é liberada com estímulos causados pela dor.

O comportamento sádico ou masoquista independe de fatores genéticos, pode ser influenciado pelo ambiente familiar até os seis anos de idade. Pais agressivos e chantagistas podem reforçar esses traços nas crianças, que poderão ser desenvolvidos futuramente num relacionamento a dois. Para Freud, que foi um dos primeiros a discutir o assunto dentro de uma visão psicológica, o sadomasoquismo é patológico, e teria origem na infância. “Se a criança quando ainda pequena presenciar o intercurso sexual, ela inevitavelmente irá considerar o sexo como uma forma de subjugação. As crianças veem isso de uma maneira sádica.”[3]

Engana-se quem imagina que a dor seja o principal elemento na relação sadomasoquista. Em vez disso, o que torna a prática atraente para muitos é a consciência de que se está sob o completo controle do outro. Submissão é a palavra chave. Mas não confunda este tipo de submissão com o proposto no Evangelho, que significa tão somente dispor-se a servir ao próximo em amor. No sadomasoquismo, o dominador da relação impõe o que o outro irá ouvir, fazer, provar ou sentir. Algumas experiências envolvem derramar gotas de cera quente sobre o corpo do dominado, açoitamentos, cordas, algemas, espartilhos, humilhação sexual e gritos de dor e prazer.[4] Dentre as práticas, talvez uma das mais assustadoras para os não praticantes seja a asfixiofilia, também chamada de sufocação erótica, em que a pessoa sente um aumento de prazer ao ter a respiração interrompida na hora do orgasmo. Apesar de a maioria das pessoas relatar que a experiência teria sido melhor do que o sexo tradicional, o objetivo do sexo sadomasoquista não é o intercurso em si, nem mesmo o orgasmo, mas a catarse.

Geralmente, os praticantes de sadomasoquismo têm uma mala com uma série de objetos que visam tornar a atividade mais completa, tais como salto agulha, velas, pregadores para os mamilos, pênis e clitóris, algemas, roupas de couro, cordas, cadeados, fitas adesivas, tachas pontiagudas, chicotes, palmatórias, vendagens, etc.

O sadomasoquista não deve ser considerado um psicopata. Mesmo agressivo na cama, ele pode ser calmo e levar uma vida social normal fora dela. A prática do sadomasoquismo é mais frequente entre homens e mulheres instruídos, geralmente de classe média alta. Por muito tempo, os praticantes do sadomasoquismo foram considerados doentes mentais. Porém, em 1980 a Associação Americana de Psiquiatria removeu o sadomasoquismo da categoria de desordens mentais.  A comunidade de especialistas em saúde mental concluiu baseada em pesquisas, que sua prática não causaria danos reais, desde que as coisas não saiam do controle. Nesse caso, o sadomasoquismo se tornaria doentio. Bem da verdade, em termos de saúde mental, a prática sadomasoquista em si não torna o indivíduo pior nem melhor que os demais.

O senso comum acredita que o ser humano é programado para fugir da dor e buscar o prazer. Porém, o que se passa na vida real é bem diferente. Dor e prazer são sensações fronteiriças. Diversas atividades prazerosas do dia a dia envolvem certa dose de dor: corridas, exercícios físicos, tatuagens, piercings etc. A ligação entre dor e prazer é biológica. Toda dor faz com que o sistema nervoso central libere endorfinas – proteínas que agem para bloquear a dor e que funcionam de maneira semelhante às drogas como a morfina, gerando uma sensação de euforia. O hipocampo, centro de controle do sistema nervoso, responde aos sinais de dor ao comandar a produção de endorfina, uma espécie de “narcótico natural”, que além de bloquear a dor, estimula as regiões límbicas e pré-frontal do cérebro, que são as mesmas ativadas pela paixão e pela música.

As dores também causam um salto na produção de outro analgésico natural: a anandamida. Conhecido como o "químico da felicidade", o aminoácido se alia a receptores cerebrais para bloquear a dor e induzir as sensações de prazer. A adrenalina, também produzida em resposta à dor, contribui para a excitação através do aumento nos batimentos cardíacos.

Há uma linha tênue que separa a dor do prazer e que muitas vezes é deliberadamente atravessada.  Prazer e dor, alegria e tristeza não são apostos entre si, mas sensações que se mesclam. O sábio Salomão é quem afirma: “Até no riso o coração sente dor e o fim da alegria é tristeza.”[5]

Não seria o sadomasoquismo uma perversão sexual?

Segundo a psicologia, a perversão sexual é uma estrutura psicopatológica caracterizada pelos desvios de objeto e finalidade sexuais. A pessoa portadora de perversão sente-se atraída por aquilo que é, em geral, socialmente proibido ou inaceitável. Deve-se salientar, entretanto, que a psicologia só considera perversão quando o comportamento individual de excitação sexual somente se dá em resposta a objetos ou situações diferentes das consideradas normais, e quando esse comportamento interfere na capacidade do indivíduo de ter relações sexuais ou afetivas consideradas normais.[6] Atualmente, a Psicologia substituiu o termo “perversão”, que já tem um peso pejorativo no senso comum, e colocou em seu lugar o termo “parafilia”[7] para caracterizar a patologia, numa tentativa de amenizar o estigma que a palavra perversão coloca sobre a sexualidade humana. O que caracteriza a patologia é a fixação nas escolhas distorcidas de objeto e finalidade sexual. As fantasias são especializadas, de natureza repetitiva e que angustiam a pessoa de modo que ela fica compelida ao ato parafílico. É justamente seu caráter compulsivo que torna a parafilia na causa de um sofrimento significativo ou prejuízo na vida familiar, ocupacional e social da pessoa. Segundo a psicóloga clínica e terapeuta sexual Kátia Horpaczky, “na parafilia, os meios se transformam em fins e de maneira repetitiva, configurando um padrão de conduta rígido que, na maioria das vezes, acaba por se transformar numa compulsão opressiva que impede outras alternativas sexuais.”[8]

De acordo com algumas teorias psicológicas, algumas parafilias podem ser consideradas inofensivas, constituindo-se parte integral da psique humana normal, a menos que sejam dirigidas a um objeto potencialmente perigoso, nocivo ao sujeito ou a outros, representando prejuízo para saúde ou segurança dos mesmos, ou ainda, quando impedem o funcionamento sexual normal.[9]

Considerar um comportamento como parafílico depende muito das convenções sociais estabelecidas num determinado momento e lugar. A homossexualidade e algumas práticas tais como o sexo oral ou anal e até a masturbação já foram consideradas parafílicas, apesar de hoje em dia serem consideradas variações normais e aceitáveis do comportamento sexual. Por isso, é praticamente impossível elaborar uma lista definitiva de parafilias.

A masturbação, por exemplo, já não figura no catálogo de parafilias. Entretanto, o excesso de masturbação depois da adolescência ou o fato de alguém preferir esta prática ao contato com outro indivíduo pode configurar-se numa parafilia. 

O mesmo se dá com o sadomasoquismo. Se houver uma espécie de dependência desta prática, a ponto do indivíduo não obter prazer sexual senão através dela, ela poderá ser considerada prejudicial à sua saúde emocional, constituindo-se numa parafilia, ou se preferir, numa perversão sexual. 

Mesmo quem não é adepto do sadomasoquismo pode apreciar comedidamente certos gestos comuns em qualquer relação sexual convencional, tais como mordiscadas, tapinhas, leves puxões de cabelo, etc. Aliás, a vida sexual da mulher, via de regra, começa com a dor provocada pelo rompimento do hímen. A diferença entre quem pratica pequenos gestos dolorosos como os citados acima e um sadomasoquista está basicamente na intensidade e na entrega. Portanto, ninguém deve ter seu caráter julgado por apreciar alguma dosagem de dor durante a relação sexual. Parafraseando Paulo, quem come não despreze quem não come e vice-versa.[10] “Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova.”[11]




[1] De acordo com a Classificação Internacional de Doenças F65.5 o sadomasoquismo é considerado doença se apenas a atividade é a fonte de estimulação mais importante do casal ou é necessária para a satisfação sexual. O sadomasoquismo pode causar agressões, traumas e morte.
[2] Bondage é o nome da técnica onde o submisso é amarrado.
[3] Citado em PsychologyToday traduzido e adaptado por Psiconlinews. Postado em 29 de outubro de 2016 e consultado em 19/01/2018.
[4] Spanking é uma das práticas mais comuns entre os sadomasoquistas e consiste em bater no outro com palmatória e outros objetos.
[5] Provérbios 14.13
[6] KERNBERG, O. Perversão, perversidade e normalidade: diagnóstico e considerações terapeuticas. Revista Brasileira de Psicanálise, 32(1):67-82, 1998
7] Parafilia - do grego παρά, para, "fora de",e φιλία, philia, "amor"
[8] Em “Qual é o limite entre a fantasia e a perversão sexual?”, Revista Super Interessante versão online publicada em 28 de fevereiro de 2006. 
[9] São classificadas como distorções da preferência sexual na CID-10 na classe F65.
[10] Romanos 14.3
[11] Romanos 14.22

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