sábado, junho 03, 2017

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O que você procura pode estar bem debaixo do seu nariz



Por Hermes C. Fernandes

“Ou qual a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma dracma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência até a achar? E achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já achei a dracma perdida.” Lucas 15:8-9

Àquela época, diferentemente de hoje, cobrava-se um dote pela mão de uma mulher pedida em casamento.  Esta era uma maneira de se compensar a família por ter tido filhas, uma vez que estas não poderiam trabalhar e assim, ajudar com as despesas domésticas.

Quando Roma conquistou aquela região, impôs o uso de sua própria moeda, o denário, substituindo a dracma, a moeda grega que circulava desde os dias de Alexandre, o Grande. De maneira criativa, as mulheres judias resolveram adotar as dracmas como adorno, transformando-as em coroas que representavam o valor pago por seu dote. Apesar de não circularem mais como moeda corrente, as dracmas serviam a um propósito inusitado. Perderam o valor, mas não o significado. Por isso, tiveram sua utilidade resgatada. Se não eram mais úteis para comprar e vender, tornaram-se úteis para enfeitar a fronte das mulheres casadas. Tornaram-se num sinal de comprometimento. Somente mulheres casadas as usavam.

Antes de descartar algo, deveríamos considerar a possibilidade de ressignificá-lo. Se não serve mais para algo, pode ser que sirva para outro.

Aquela mulher perdeu uma das dracmas de sua coroa. Isso poderia sugerir que ela não dera o devido valor ao dote pago por seu marido. Daí o desespero com que ela empreendeu tão diligente busca.

Semelhantemente, Jesus pagou o dote por Sua noiva, a Igreja. Recebemos d’Ele uma coroa cujas dracmas representam o valor que nos foi atribuído. De acordo com o diagnóstico apostólico, “todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis”[1], tornando-se “destituídos da glória de Deus.”[2] O pecado nos destituíra de qualquer valor. Porém, Seu amor por nós foi capaz de restituir o valor perdido. Ele não pagou por nós o que valíamos, nem sequer o que merecíamos.

Para Deus, muito mais do que utilidade, temos significado.

Recebemos uma coroa composta de tudo aquilo que Ele nos confiou. Cada dracma representa algo cujo valor está em seu significado, não em sua utilidade. O problema é que a gente não costuma dar valor ao que não nos custa nada. Por isso, quando perdemos uma das dracmas de nossa coroa, muitas vezes, nem ao menos sentimos falta. Precisamos atentar para o fato de que o que nada nos custou, custou a vida de nosso Salvador. Portanto, saiu de graça para nós, não para Ele. E se, de fato, o amamos, valorizaremos tudo o que teve o custo de Sua preciosa vida.

O valor que atribuímos a algo corresponde ao lugar que aquilo ocupa em nossa lista de prioridades. Tudo o que postergamos, que empurramos com a barriga, revela o desconcertante fato de não lhe darmos o devido valor. Às vezes é preciso perder, sentir falta, para só então perceber o valor que aquilo possuía.  

Todavia, há que se cuidar para não permitir que algo ou alguém encabece nossa lista de prioridades. Este lugar pertence exclusivamente ao Senhor. O valor de tudo o que possuímos decorre da importância exercida pelo Senhor em nossa vida. Se Ele não ocupar o primeiríssimo lugar, todas as demais coisas estarão fora de lugar.

Nada do que recebemos d’Ele deve ser banalizado. Mas também nada que d’Ele recebemos deve ocupar o Seu lugar de primazia. E será assim que encontraremos o balanço, o equilíbrio perfeito para seguirmos em nossa jornada.

Quando não damos o devido valor a algo, o Senhor permite que o percamos, ainda que eventualmente possamos reencontrá-lo. Mas quando damos um valor excessivo, o próprio Senhor nos pede aquilo. Se valoriza de menos, perde. Se valoriza demais, Ele pede.

A mesma Bíblia que nos adverte a guardar o que temos recebido para que ninguém tome a nossa coroa[3], revela-nos os anciãos lançando suas coroas aos pés do Cordeiro. [4] Não há lugar mais seguro no universo! 

Voltando à parábola em questão:

A primeira pergunta que devemos nos fazer é: o que temos perdido? Que valor tem para nós? Valeria a pena empreender uma busca? Quem não sabe o que perdeu, não sabe o que procurar. Quem não dá valor ao que perdeu, não encontra razão para procurar.

Estaria faltando alguma dracma em nossa coroa? Talvez necessitemos dar uma conferida olhando-nos no espelho.

A segunda pergunta é: onde o perdemos?

Onde aquela mulher perdeu sua dracma, afinal? Não foi na rua ou no mercado, mas dentro de sua própria casa. Portanto, não fazia sentido procurar em outro lugar.

Quando perdemos algo de valor, procuramos nos lembrar de todos os lugares por onde passamos. Certamente, aquilo se perdeu num desses lugares. Ninguém vai perder tempo procurando em lugares onde não tenha estado.

Não adianta buscar lá fora o que se perdeu dentro de casa.

Uma vez localizado o lugar onde possivelmente o perdemos, precisamos adotar algumas medidas a fim de que nossa busca não seja infrutífera.

A primeira medida tomada por aquela mulher foi providenciar iluminação para o ambiente: o texto diz que ela acende a candeia. Ninguém procura por algo com as luzes apagadas, pois a probabilidade de encontra-lo é quase nula.

O poema da criação diz que no princípio Deus criou os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia (no original, estava mergulhada em caos, em desordem). Antes de colocar ordem naquela bagunça, “disse Deus: haja luz e houve luz.”[5]

Na simbologia bíblica, luz significa entendimento, discernimento, compreensão, conhecimento. Não basta zelo em nossa busca pelo que se perdeu. Há que se ter entendimento. Paulo diz que os judeus eram zelosos, porém faltava-lhes entendimento acerca da vontade de Deus. [6] Zelo sem entendimento é ciúme cego e possessivo. Nossos olhos espirituais devem estar iluminados para que possamos discernir o que há no coração dos outros e em nosso próprio coração, nossas motivações mais profundas e o que nos leva a empreender nossa busca pelo que se perdeu.

A ausência de luz provocará colisões, jamais encontros. Queremos de volta o que é nosso, não por amor, mas por capricho. Nosso orgulho ferido não nos permitirá abrir mão. De repente, sem que percebamos, o amor é substituído pelo ódio. A procura prossegue, mas no escuro. João nos adverte quanto a isso:

“Aquele que diz que está na luz, e odeia a seu irmão, até agora está em trevas. Aquele que ama a seu irmão está na luz, e nele não há tropeço. Mas aquele que odeia a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os olhos. 1 João 2:9-11

Quando há luz, sabemos por onde andamos e, por isso, evitamos colisões ao invadir inadvertidamente o espaço do outro.

O entendimento gera compreensão, que por sua vez, pavimenta o caminho do reencontro. A ignorância gera ódio, repulsa, revolta, provocando choques potencialmente devastadores.

A segunda medida adotada pela mulher da parábola é varrer a casa. Quão difícil é encontrar algo no meio da bagunça, da sujeira, da desordem. Quantas coisas perdidas dentro de casa já não foram encontradas acidentalmente durante uma faxina? A gente encontra até o que não está procurando. Que o diga o famigerado sofá que mais parece um buraco negro, sugando chaveiros, relógios, moedas e etc. A gente o examina atrás de uma escova, e acaba encontrando muito mais, até aquilo de que não demos a menor falta.

A propósito, por que só resolvemos varrer a casa quando perdemos uma dracma? Por que esperamos as coisas piorarem para decidir que é hora de coloca-las em seus devidos lugares? Não seria mais sábio a adoção de medidas preventivas? Não seria melhor manter a casa sempre asseada e arrumada?

A terceira medida é buscar com diligência. Não basta passar os olhos por desencargo de consciência. Uma busca superficial não será suficiente. Tem que sacudir o tapete, colocar os móveis de pernas para o ar, vasculhar cada canto da casa. Se pensa em desistir na primeira varredura, então é melhor nem começar a procurar. Quem desiste na primeira tentativa demonstra não dar tanto valor assim ao que se perdeu.

Após achar a tão preciosa moeda, ela convoca suas amigas para uma festa. Não lhe soa meio desproporcional (pra não dizer exagerado!) dar uma festa só para comemorar o fato de haver encontrado uma moeda?

Fico imaginando a cara de suas amigas ao tomarem conhecimento da razão daquela celebração. Onde já se viu comemorar uma coisa dessas!

Cada pessoa atribui valor diferenciado às coisas. O que para você não possui qualquer importância, para mim pode ser motivo de insônia. Há quem morreria ou mataria por aquilo que você descarta todos os dias sem qualquer cerimônia. Portanto, não nos cabe julgar, mas tão-somente participar da celebração, atendendo assim à recomendação bíblica de chorar com os que choram e nos alegrar com os que se alegram.

Todo reencontro deveria ser motivo de festa. Por isso, tanto a parábola anterior que conta sobre o pastor que saiu em busca da ovelha perdida, quanto a parábola que vem em seguida que narra a história do filho pródigo, terminam com festa. Havendo motivo para festejar, festeje! Se o motivo não for seu, mas do outro, festeje ainda assim. Se não teve valor para você, teve para ele. Portanto, deixe-se contagiar pela sua alegria. E no dia em que você tiver motivo de festejar, ele igualmente tomará parte em sua alegria.

P.S. Lembro-me da ocasião em que o ônibus espacial faria seu último voo. Morávamos há cerca de uma hora e vinte minutos do Cabo Canaveral. Infelizmente, não consegui estar lá. Porém, soube que do meu quintal seria possível assistir. Fiquei de prontidão. De repente, lá estava ele, rasgando o céu da Flórida em direção ao espaço. Vários vizinhos vieram para a rua saudar a última viagem do Columbia. Minha esposa e filhos não parecem ter dado o mesmo valor. Exceto minha caçula, que vindo para a rua, olhou para o céu e disse: É isso? Tentei explicar do que se tratava, mas ela esperava um espetáculo vistoso, exuberante. Mas para quem, como eu, cresceu assistindo a filmes e séries sobre viagens espaciais, aquilo era um espetáculo imperdível e de valor inestimável.

Abaixo, a reação inusitada da minha filha.




[1] Romanos 3:12
[2] v.23
[3] Apocalipse 3:11
[4] Apocalipse 4:10
[5] Gênesis 1:3
[6] Romanos 10:2

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